O resultado do primeiro turno nas eleições do Peru nos dá a certeza de que ainda não terminou o processo de mudança que está levando a América Latina a caminhar para a esquerda.
A vitória de Sebastián Piñera no Chile, em 2010, encerrando um ciclo de 20 anos de governos da coalizão cristã-socialista Concertación, levou analistas conservadores a apostarem em um movimento pendular na região.
Mas a eleição de Dilma Rousseff jogou terra sobre essa análise. E a provável vitória de Humala Ollanta, no Peru, reforça a percepção de que se mantém o redirecionamento político pós-neoliberal.
No Peru, como no Brasil, a imprensa partiu para cima de Ollanta, e a campanha caiu na temática religiosa radical, inclusive com o aborto como mote, tal qual José Serra no segundo turno (mera coincidência?).
Os apoios dos candidatos derrotados ainda não se definiram, mas o povo peruano terá de estar atento à armadilha da candidata Keiko Fujimori. Ela é filha do ex-presidente Alberto Fujimori, que cumpre pena por corrupção, depois de ter imprimido no Peru um regime verdadeiramente autoritário nos anos 1990.
Keiko se vale da força que o nome de seu pai ainda tem. Sua vitória significaria mais do que um simples retrocesso: seu discurso simula uma proposta próxima à de Ollanta, mas, como o de toda liderança populista, é vazio e tem de ser rechaçado no voto.
As urnas peruanas refletem uma combinação de saturação das contradições do atual modelo de desenvolvimento do país —que propiciou grande crescimento da economia, mas não impediu o aprofundamento das diferenças sociais— e o fraquíssimo desempenho dos demais candidatos, que terminaram pior do que se imaginava, haja vista tratar-se de um ex-presidente (Alejandro Toledo) e do ex-prefeito de Lima (Luís Castañeda).
Embora favorito, Toledo não se mostrou uma alternativa à política atual do presidente Alan Garcia e foi perdendo espaço até ficar de fora do segundo turno.
Já Castañeda dividiu seu eleitorado com Pedro Paulo Kuczynski (PPK), que acabou levando grande parte dos votos na capital ao colocar-se como representante da direita neoliberal, que possui simpatia do eleitorado na capital do país.
Com respostas contundentes, contrastadas com o fraco discurso de seus adversários, e apresentando propostas de inclusão social e fortalecimento do Estado —inclusive voltando a defender o aumento da taxação sobre as empresas mineradoras—, Ollanta tem sido apontado como um “Lula andino”: um candidato que representa os anseios de um povo que não desfruta da riqueza do país e é carregado por um grande sentimento de esperança.
As peculiaridades do Peru, no entanto, fazem dessa identificação com Lula uma simplificação mais no campo do simbolismo.
Contudo, o que interessa ressaltar é que Ollanta se inscreve no mesmo movimento de resgate das riquezas nacionais, retomada do papel do Estado e de sua capacidade de promover o crescimento com distribuição de renda, interesse no fortalecimento da América do Sul, enfim, um conjunto de políticas que igualmente fizeram parte dos Governos Lula e que se seguem agora com a presidenta Dilma.
O momento político se revela favorável a esse conjunto de propostas, não apenas no Peru, mas em todo o continente.
Se vencer, Ollanta terá a oportunidade de se unir aos demais líderes progressistas da América Latina como protagonista do processo histórico de desenvolvimento integrado que nos tem projetado como referência na política mundial. Ganharão os peruanos, mas igualmente todos sul-americanos com um continente alinhado à esquerda.
José Dirceu, 65, é advogado, ex-ministro da Casa Civil e membro do Diretório Nacional do PT