Por Marcelo de Moraes, de O Estado de S.Paulo
No momento em que as urnas confirmaram a petista Dilma Rousseff como vencedora da eleição presidencial automaticamente começou o processo de despedida do posto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Mas até nessa hora, o atual presidente deixa claríssima a diferença de estilo em relação a Dilma. Em vez de adotar a discrição e abrir passagem para a nova presidente assumir o espaço à frente do Executivo, Lula continuou tentando manter o papel de protagonista.
No seu discurso de anteontem, o presidente até pareceu entender a mudança de situação. “Rei morto é rei posto”, avisou. “Ex-presidente só da conselho se for pedido. A bola está com a senhora”, reforçou.
Só que em vez de rolar a bola para Dilma, Lula acabou discursando longamente, recorrendo às tradicionais metáforas, especialmente de futebol, e disparando mais críticas pesadas à oposição e buscando o tradicional protagonismo.
Ao mesmo tempo em que defendia que Dilma monte “o time dela”, Lula não perdeu a chance de bater pessoalmente nos adversários, pedindo que não tenham espírito de vingança contra a nova presidente.
O Lula de sempre contrastou ao lado de uma Dilma diferente da campanha. Nas suas primeiras falas desde a eleição a petista já mostra uma nova cara pública. Se nos debates contra o tucano José Serra foi extremamente dura, agora adota um tom moderado, deixando aparecer seu perfil técnico de gestora, que marcou sua trajetória à frente do Ministério de Minas e Energia e da Casa Civil.
Ontem, a presidente eleita avisou que cobrará competência técnica para as pessoas que integrarem sua equipe de governo. Na campanha, Dilma foi cobrada justamente por ter bancado Erenice Guerra, sua principal assessora e sucessora na Casa Civil, que acabou se envolvendo com denúncias de tráfico de influência.
Enquanto Lula ontem centrou seu fogo na oposição, Dilma preferiu mirar nos próprios aliados. Ao perceber a movimentação afoita por cargos da parte das legendas que integrarão a base de sustentação do seu futuro governo, avisou que seu governo “não vai se pautar por uma partilha”.
Lula reclamou ontem mais uma vez de a oposição ter derrubado em 2007, no Senado, o projeto que assegurava a prorrogação da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF). A votação foi considerada pelo próprio governo federal como a pior derrota de todo o governo durante os oito anos de mandato presidencial de Lula.
Sem entrar no mérito da disputa política que cercou essa votação, Dilma preferiu tratar do assunto também de forma pragmática.
Como sabe que o tema é polêmico e pode criar desgastes políticos para seu governo, avisou que não pretende enviar um novo projeto recriando o imposto, pondo uma ponto final nessa discussão desgastante.
No domingo, logo depois do anúncio de sua vitória, essa diferença de estilos já tinha ficado clara visualmente. Nas vitórias anteriores de Lula, em 2002 e 2006, o palanque da vitória exibia todos os ícones petistas, com bandeiras e roupas vermelhas, estrelas e culto ao personagem de Lula.
No triunfo de Dilma, o cenário era bem diferente. Não se viu uma estrela ou bandeira petista. Não que tenham sido escondidas ou dispensadas. Simplesmente, não combinavam com o estilo da eleita, que preferiu fazer um discurso simples e de contemporização, com acenos para a oposição e para a imprensa, setores dos quais se queixou no calor da campanha.
Embora se compare a um rei morto, Lula não se esquivou ontem, ao lado da sucessora, de sugerir que ela acelere ainda mais o carro:
“Ela ajudou a colocar esse carro em marcha, ele não está na garagem. Os pneus estão calibrados, o motor está andando a 120 km por hora. Ela, se quiser, pode pisar um pouquinho mais no acelerador e chegar a 140 km, 150km. Ela não tem porque brecar esse carro. Só tem que dirigir com muita responsabilidade e olhar bem as curvas”, disse Lula, sugerindo que entregou a chave do carro mas tem vontade de ser um co-piloto bastante ativo.
Criticada pela falta de experiência, Dilma surpreende com a maturidade de adotar discursos cautelosos, sem apelar para populismo ou oportunismo político. Pode ser que derrape nas dificuldades, mas tem demonstrado parecer ter entendido o papel que lhe cabe no comando do Brasil.