PAULO CÂMARA: PSB continuará independente.

Câmara diz que PSB continuará independente

Confira abaixo a entrevista do governador de Pernambuco, Paulo Câmara, concedida ao jornal Valor Econômico:

Dos 27 governadores eleitos em outubro de 2014, um carrega responsabilidade extra: Paulo Câmara, de Pernambuco, a quem cabe manter de pé o espólio de Eduardo Campos, o presidenciável do PSB morto num acidente aéreo durante a campanha eleitoral do ano passado.
No plano local, o cenário é adverso: uma crise no sistema prisional, estiagem e – provavelmente – menos recursos para investimentos, devido ao ajuste fiscal em curso no governo federal. No plano nacional, Câmara resume numa frase curta o sentimento que também norteava Campos, em relação ao PSB: “A gente quer crescer”.
Se depender do governador, o PSB mantém a posição de independência assumida em dezembro de 2014. O partido é assediado pelo PT, PSDB e por filiados com irresistível vocação governista. Câmara diz que nada mudou de dezembro para cá que justifique uma mudança. Para o governador, a retomada do crescimento do país “precisa dos Estados”. Na sua opinião é preciso discutir “até onde vai o rigor fiscal em termos do investimento”.
A seguir, os principais trechos da entrevista ao Valor:
Valor: O desafio de governar Pernambuco ficou maior depois da morte de Eduardo Campos?
Paulo Câmara: Muito maior. São dois cenários agora. Fui candidato com ele vivo, vou ser governador com ele não mais perto. Mudaram as circunstâncias.
Valor: O que mudou?
Câmara: A gente sempre trabalhou muito juntos. Eduardo sempre foi uma referência na política pernambucana, no nosso campo. Perdemos essa referência, tanto no aspecto de Pernambuco, como nacional. O partido também perdeu seu maior líder. Ficamos um pouco orfãos de uma pessoa que foi governador oito anos, que teve uma aprovação de mais de 80%, e do líder político, que faz muita falta: não vai aparecer um líder como Eduardo do dia para a noite.
Valor: O senhor esteve com o ex-presidente Lula. O senador Fernando Bezerra Coelho, com o ministro da Educação, Cid Gomes (Pros). A reaproximação do PSB com o governo está começando por onde começou o afastamento, Pernambuco?
Câmara: Vamos por partes. O partido fez claramente uma opção de independência em relação ao governo…
Valor: Com um certo viés de oposição…
Câmara: É. Um pouco, mas nem tanto. Agora na eleição para as mesas do Congresso nós não fomos oposição. Tivemos um candidato na Câmara, o Júlio Delgado (PSB-MG); e apoiamos um candidato no Senado, o Luiz Henrique (PMDB-SC), também dentro do próprio interesse de cada deputado, cada senador nesse conjunto. Mas o partido segue nesse rumo de independência. Isso está muito claro nas instâncias partidárias. Até o ano passado nos tínhamos uma candidatura, uma maneira de pensar, ideais que não se acabam do dia para a noite. Nós vamos continuar defendendo essas bandeiras. Mas nós também temos o nosso campo político. Nossa identificação com o PSDB foi uma coisa pontual, ali no segundo turno da eleição. Não é uma coisa com que nós nos identificamos. Vamos fazer uma ou outra composição, mas nós somos diferentes no modo de atuar, nas nossas propostas.
Valor: E com o PT?
Câmara: Com o PT nós estivemos juntos muito tempo, essa é a verdade. Se formos fazer o balanço, vamos ver que tivemos mais convergências do que divergências. Nós tivemos divergências grandes ao longo da campanha eleitoral. Muito do que está sendo noticiado já havia sido dito por Eduardo, os aumentos de energia, de preços controlados, Eduardo já dizia que isso ia acontecer depois das eleições. Nós temos claras preocupações com a necessidade de uma reforma política que abranja realmente mais transparência, um sistema eleitoral com mais clareza das regras. Tudo faz com que a gente tenha ainda uma posição de independência. Esses movimentos de Fernando, até meu próprio encontro com o presidente Lula, são naturais. Estive com o presidente Lula em dezembro, na diplomação da presidente Dilma. Eu não poderia estar presente no dia 1º de janeiro [data da posse da presidente], e acho que governador tem também o papel institucional de estar presente junto às instâncias. Me encontrei com o Lula, nunca tinha conversado com ele, e naquele momento ele disse ‘olha, quando for a São Paulo me procure pra gente conversar’. Eu tive essa oportunidade de ir a São Paulo, na semana passada. Uma semana antes eu tinha ligado a ele e disse que tinha duas reuniões com investidores de Pernambuco, se ele podia em algum momento me receber. Então ele marcou na quinta-feira, pra gente almoçar. Eu me apresentando, né, quem sou eu, ele não me conhecia, pouca gente me conhece, a verdade é essa, meu protagonismo é muito recente. Conversamos sobre Eduardo, ele perguntou sobre as obras em Pernambuco, muita coisa começou no governo dele, e se colocou à disposição do diálogo, eu também me coloquei à disposição do diálogo.
Valor: Sem intermediários.
Câmara: Sem intermediários. Não foi uma conversa de reaproximação de PT e PSB. Foi conversa de dois pernambucanos. Eu que fui ungido à política sob a liderança de Eduardo, que era um grande amigo dele, pessoa que ele sempre conversou muito, sempre confiou e sempre teve uma relação muito fraterna, e a ele despertou também a curiosidade de saber quem é o governador que Eduardo quis que o substituísse, que apoiou, apostou e que é governador da terra dele. Basicamente isso. Óbvio que sempre que eu quiser conversar sobre PSB e sobre PT eu vou procurar o presidente Lula também, porque isso faz parte.
Valor: Ele chegou a pedir que o PSB volte à base do governo?
Câmara: Não, ele se colocou aberto ao diálogo. Ele acha, como eu também acho, que todos os partidos devem continuar conversando, o PSB tem que conversar com o PT sempre que entender, e queremos fazer isso, vamos ser propositivos no que a gente entende que é bom para o país. Colocar nossas ideias à disposição. A presidente Dilma também, sempre que ela achar importante. Depois do Carnaval eu vou pedir uma audiência para colocar as questões de Pernambuco, e vou dizer: estou à disposição tanto como governador como vice-presidente do PSB.
“Nossa identificação com o PSDB foi pontual, no segundo turno. Não é algo com que nós nos identificamos”
Valor: A volta do PSB à base é uma agenda em discussão?
Câmara: Não, zero, zero. No momento, nenhuma chance. A posição de independência é de dezembro e não houve nenhum fato, de lá pra cá, que justificasse qualquer tipo de aproximação. Por outro lado tem uma corrente que defende uma aproximação maior com o PSDB. Isso é comum num partido.
Valor: A independência tem um preço?
Câmara: Eu sou muito propositivo. Só vou conversar com o governo federal em cima de propostas para o Estado. Propositivas e objetivas com relação a Pernambuco. Questões políticas vão ser conversadas pelas instâncias do partido, no caso o presidente e os líderes. Eu sou vice-presidente. Caso o presidente Carlos Siqueira entenda que deva entrar no circuito, eu entro.
Valor: E da parte de Brasília?
Câmara: O cenário é muito restritivo, mas não vejo isso como restrição só a Pernambuco, vejo uma restrição geral. A gente sabe que os cortes vão ser muito profundos, que o arrocho fiscal é enorme, esse ano, eu não tenho a menor dúvida disso, eu também estou trabalhando com esse cenário mais conservador. Vamos levar projetos estruturadores e cobrar, principalmente, as coisas que estão em andamento, que para nós são muito importantes serem concluídas.
Valor: Quais?
Câmara: A transposição do São Francisco, a Transnordestina, obras hídricas, obras de mobilidade. São coisas que precisam ser concluídas, mesmo sabendo das restrições. Tem que priorizar, então vamos priorizar o que está em andamento.
Valor: A crise energética também atinge Pernambuco?
Câmara: Nós estamos há três anos sendo abastecidos por usinas térmicas e enfrentamos um ano duríssimo de estiagem. Esse é um dos pleitos que eu vou conversar com a presidente. Estamos com os reservatórios mais baixos, então precisamos acelerar principalmente as obras hídricas para ter um mínimo de governança em relação a essa questão da estiagem. Todo ano chove menos. Isso já vem desde 2012.
Valor: Qual impacto as denúncias de corrupção na Petrobras têm sobre da refinaria Abreu e Lima?
Câmara: Falta, de execução, no máximo um ano de obra. Agora há um descompasso, com essas denúncias, com os fornecedores. Tem muito fornecedor sem receber. Então praticamente as obras pararam. E sem receber não se faz nada e demite-se, o que é mais grave. Uma parte de Abreu Lima, 20%, já está fazendo o refino, mas a parte maior ainda está por concluir. Falta pouca coisa. Há seis meses, a estimativa da Petrobras era concluir as obras em outubro deste ano.
Valor: Qual a participação do Estado na refinaria?
Câmara: Nossa contrapartida foram a área e os benefícios fiscais dados para a construção.
Valor: O que é mais premente na sua pauta com a presidente?
Câmara: A questão prisional. Em 2007 nós tinhamos uma população carcerária de 15 mil detentos e um número de vagas em torno de nove mil. Hoje nós estamos com 31 mil detentos e pouco mais de 11 mil vagas. A população aumentou muito. Um conjunto de ações resultou na diminuição do número de homicídios de 33% nos últimos oito anos. Único do Nordeste que diminuiu. Os outros aumentaram e muito. Nós estamos com algumas obras em andamento, que precisam ser concluídas, algo em torno de três mil vagas em construção, e queremos destravar outras três mil vagas de uma parceria público privada que não obteve êxito. Não atinge só Pernambuco, mas nos incomoda mais pelo número da superlotação.
Valor: As pesquisas indicam que a saúde é a maior preocupação dos brasileiros.
Câmara: Em Pernambuco também. Temos o desafio de construir algumas unidades de saúde, principalmente no interior, e hoje demanda muita ação ainda na região metropolitana. Hospitais específicos no sertão para atendimento da população. Queremos criar uma rede de atendimento da mulher para partos de alto risco que estão aumentando muito no Nordeste.
Valor: Há uma lista das urgências no plano de retomada do que está em andamento?
Câmara: Finalizar as obras de mobilidade, que hoje ainda são um transtorno nas nossas cidades. Tem um legado da Copa que precisa ser concluído. A gente fez uma aposta em transporte de ônibus, a partir de corredores exclusivos. Vamos enfrentar um ano duríssimo na estiagem, então vamos fazer obras hídricas. E vou priorizar a retomada da redução dos índices de violência e iniciar um processo de universalização das escolas de tempo integral. Um projeto que Eduardo iniciou, tínhamos seis escolas, agora temos 300 em tempo integral, e a meta é ofertar para todo aluno da rede de ensino médio.
Valor: Pernambuco é uma referência no ensino médio…
Câmara: Mas é um desafio, porque saímos de 21º para 4º lugar, mas temos uma média do Ideb que é 3.6, não é muito confortável. Não se pode dizer que está bom. O quarto melhor Estado, que é Pernambuco, tem uma média de 3.6. O melhor Estado teve 3.8, 3.9. Bom, não está. O movimento do meu mandato é por uma integração muito grande com os municípios, porque, se nós conseguirmos melhorar as notas do ensino fundamental, vão chegar alunos melhores no ensino médio. E o fundamental é uma função hoje dos municípios. Não queremos também passar obrigações para os municípios sem dar uma contrapartida.
“A posição de independência é de dezembro e não houve nenhum fato, de lá para cá, que justificasse uma aproximação”
Valor: Só a escola de tempo integral melhorou o índice? Os alunos não precisam sair para trabalhar precocemente?
Câmara: É o estímulo de estar na escola. Antes não tinham estrutura, não tinham quadras, não tinham laboratório. Fizemos um investimento grande. Hoje todo aluno do ensino médio da rede estadual tem farda, tablet, tem oportunidade de ganhar o mundo, com intercâmbios que a gente faz no exterior para 1600 alunos por ano, merenda de qualidade, e o atrativo de laboratórios de robótica, química, biologia. Estão saindo coisas boas.
Valor: Vamos falar do calcanhar de aquiles de todos os Estados, as finanças também têm bons índices? O Estado está enquadrado?
Câmara: Estamos apertadíssimos. Na LRF estamos enquadrados em todos os indicadores. Não temos atraso de folha de folha, fizemos o dever de casa. Cortamos, tiramos os excessos.
Valor: Como o Estado vai investir com os sucessivos ajustes?
Câmara: Essa é a grande prioridade e a preocupação. Tínhamos um média de investimento de R$ 600 milhões por anos, em 2007, elevamos esse patamar para R$ 3 Bilhões em 2014, multiplicamos por cinco. O desafio é evitar que o valor desse investimento caia.
Valor: Qual a expectativa?
Câmara: É que caia.
Valor: Por que?
Câmara: Nós trabalhamos esses R$ 3 bi com recursos próprios, convênios com a União e operação de crédito. Fizemos muitas operações de crédito dentro de alguns critérios. Quando assumimos o Estado, a dívida correspondia a 66% da receita no ano. O limite é 200. O critério foi fazer operação de crédito mas não passar dos 66%. Hoje o Estado tem 57% de dívida com relação à receita ano. A União sinalizou que vai segurar as operações de crédito este ano. Tem a questão do superavit primário, já é uma perna que a gente está perdendo.
Valor: De quanto é a perda?
Câmara: Um bilhão por ano. Em média. Temos as parcerias em andamento, de convênios com a União, não temos ainda a dimensão de quanto serão os cortes, mas deve ser algo muito forte.
Valor: E a retenção feita em 2014 para fazer caixa no Tesouro?
Câmara: Teve o atraso do SUS, identificado por nós. Este ano não identificamos atraso. Agora, tudo aumenta, pois estamos num processo de inflação. Então a manutenção da máquina aumenta. Fizemos um programa de racionalização de gastos que busca, neste primeiro ano, restringir aumento de novos serviços ao mínimo possível para garantir uma segurança diante desse quadro totalmente sem perspectiva. A gente não sabe se vai crescer 0,5, se não vai crescer, se vai ser negativo.
Valor: Já passou da hora de a presidente chamar os governadores para tratar da questão federativa, inclusive da reforma tributária?
Câmara: Em dezembro fizemos uma reunião do fórum dos governadores do Nordeste, que têm uma pauta muito similar, a questão de saúde, questão federativa, a violência. Algumas coisas andaram, como o comércio eletrônico, que o Eduardo Cunha [presidente da Câmara] colocou em votação agora, outras não. A reforma doICMS muito nos preocupa porque foi o único mecanismo que os Estados tiveram de atração de investimentos. Essa polêmica sobre a guerra fiscal, se faz bem ou não faz… fazer bem não faz, mas não se tinha outro instrumento, não existia mecanismo de desenvolvimento regional. Tem muito investimento que está pendurado em incentivo fiscal, que é a título precário, porque incentivo fiscal no Confaz só se consegue se aprovar por unanimidade. Então essa é uma pauta que tem que ser resolvida.
Valor: Qual pauta, exatamente?
Câmara: A convalidação desses benefícios e criar uma regra nova pra frente que dê um viés de desenvolvimento regional. A reforma do ICMS contribui para isso. A proposta do governo de unificação das alíquotas em 4%, dá um atrativo de investimento muito pequeno para os Estados. Tudo isso precisa ser debatido. A situação fiscal de muitos Estados é complicada. É importante para o país voltar a crescer? É. Agora, para voltar a crescer precisa dos Estados. Os Estados precisam de aporte para mais investimentos. Isso também precisa ser discutido: até onde vai o rigor fiscal em termos do investimento. Se é realmente paralisar em termos de investimento ou se há ainda algum espaço para o investimento de Estados e municípios. Cortes tem que ser menos em investimento e mais em manutenção da máquina, transformar despesa ruim em despesa boa.
Valor: O que acha da ideia de filiação da senadora Marta Suplicy no PSB?
Câmara: Não discutimos nada no âmbito da Executiva Nacional. Pode Haver no âmbito do PSB de São Paulo. Particularmente, como cidadão e governado, não tenho absolutamente nada. Pelo que eu conheço dela, as referências são positivas. Se houver desejo dela de vir para o partido, eu não vejo impedimento.
Valor: O PSB está se reencontrando, após a morte de Eduardo?
Câmara: O partido está conversando mais. A gente estabeleceu um fluxo de encontro, de 15 em 15 dias, no mais tardar três semanas. Estamos iniciando um processo de planejamento estratégico para os próximos cinco anos, o presidente Carlos Siqueira está fazendo. O partido fez isso há um tempo atrás, agora está se refundando dentro de novas bases, a situação atual. O momento é de consolidação dos governos que foram eleitos agora, dos prefeitos que estão na metade do mandato. A gente quer chegar em 2016 com candidaturas fortes do nosso campo, apoiando a reeleição dos prefeitos que podem ser candidatos e vendo novas cidades que possam ter pessoas identificadas com o que a gente pensa. A gente quer crescer.

 

Raymundo Costa e Rosângela Bittar