Ao chegar ao Superior Tribunal de Justiça há pouco mais de uma década e constatar que o tribunal era “muito maior do que aquilo que eu imaginava”, o ministro Mauro Campbell percebeu que a importância do STJ nunca foi suficientemente explicada à sociedade.
“Com a TV Justiça, o Supremo Tribunal Federal começou a ser uma referência nacional. A sociedade passou a achar que é jurista e ainda coloca a culpa nos tribunais. Não é à toa, coloca a culpa por falta de uma comunicação nossa”, disse à ConJur, em conversa sobre os 30 anos da corte, comemorados neste domingo (7/4).
Para Campbell, falta uma divulgação do trabalho dos ministros do STJ. “Existe um comportamento pontual em que o ministro fica marcado por causa de um assunto. O ministro fala como se fosse ele, quando a decisão é da corte. Ainda que seja decisão monocrática, é uma decisão da corte. A gente fica muito aberto a críticas e reclama do teor quando na verdade quem são os culpados somos nós, que não expusemos dados e não mostramos.”
Julgados
Campbell defende que o STJ não pode ficar marcado apenas por julgamentos emblemáticos, pois diariamente toma decisões que aperfeiçoam o comportamento das partes.
“Me lembro, há 11 anos, multei a União nos primeiros embargos. Na turma, a ministra Eliana Calmon me questionou e eu argumentei a procrastinação e a multa. Após isso, a ministra disse que eu estava certo. Só não sabia que aquilo era a primeira vez que acontecia. Imagine que o STJ multou a União, e esse comportamento processual fez com que a advocacia pública tivesse um crescimento de qualidade. Muito comum advogados públicos virem aqui dizer que vão desistir de recursos porque viram meus julgados antigos”, conta.
Outra crítica do ministro aponta para o fato de o STJ ser subutilizado ao julgar temas que não impactam na vida do país. “Não podemos mais tolerar é julgarmos posse de papagaio, Habeas Corpus de macacas, Imposto de Importação de girafa. Não é crível para a sociedade que um tribunal dessa estrutura julgue processos de amplitude avassaladora e pedidos individuais sem nenhuma relevância nacional.”
Isso acontece, diz, por causa da desconfiança nas instâncias administrativas. “É isso que deve ser valorizado também. Ouvimos autoridades públicas dizerem para procurar a Justiça. Se eu pudesse vislumbrar um momento de maior grandiosidade no futuro, era ver dar bons frutos todos os nossos meios de medição, arbitragem, tudo que não seja judicial. Para tanto, o Judiciário tem que dar crédito a essas instâncias. Não adianta deixar um discurso e na prática debater assuntos dessas instâncias”, defende.
Supremo
Em relação aos assuntos levados ao Supremo Tribunal Federal, o ministro é enfático: “Meu entendimento é radical de autoafirmação infraconstitucional. Ou ocupamos nossa posição como último intérprete e harmonizador do Direito federal ou o sistema não fecha. Para isso acontecer, é preciso cumprir com nosso dever”.
Campbell cita que, em relação às normas constitucionais, no Direito Público existe uma matéria “cavernosa”, que é a matéria tributária. “Um assunto que está na Constituição, o que fez com que o STJ virasse um tribunal de passagem, mas foram raríssimos os casos em que travei esperando posicionamento do STF”, afirma.
PEC da Relevância
Ao encerrar 2018 com mais de meio milhão de julgados e com outros 293 mil no acervo, o STJ espera a aprovação da PEC da Relevância para impor filtros mais apurados e reverter uma tendência de crescimento que se mostra histórica.
“Sem um filtro de relevância, o STJ acabou se tornando uma terceira instância, atuando como corte revisora de julgados dos tribunais estaduais e regionais federais em matérias cuja importância não ultrapassa o interesse subjetivo das partes. A PEC 209 resgata o papel constitucional do STJ de uniformizar a interpretação da legislação infraconstitucional”, diz.
Em entrevista ao Anuário da Justiça Brasil 2019, com lançamento previsto para maio, o ministro falou sobre o que ele considera a principal contribuição da corte para a sociedade: a abnegação de seus membros no julgamento de milhões de processos ao longo destes 30 anos.
“Isso aqui é uma máquina de julgar processos. Não há nada em qualquer corte por aí afora comparável a isso aqui. Por mais que se critique — e a crítica é bem-vinda e deve ser avaliada e assimilada —, os debates são públicos, as questões são feitas abertamente, com todos assistindo, e a par disso conseguimos julgar centenas de milhares de recurso por ano.”