Fonte: O Globo
BRASÍLIA – A equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, estuda adotar ao menos três medidas da lista de sugestões deixadas pelos técnicos do governo de Michel Temer para compor o ajuste das contas públicas. As ações, somadas à reforma da Previdência, prometida para este ano, podem resultar numa economia de R$ 266 bilhões para os cofres públicos até 2022.
Desde 2014, o governo gasta mais do que arrecada. Foi quando começou um período de sucessivos rombos nas contas e uma disparada da dívida pública. Entre dezembro de 2013 e de 2018, a dívida bruta como proporção do Produto Interno Bruno (PIB) saiu de 51,7% para 77%. Ou seja, um aumento de 25,3 pontos percentuais em apenas cinco anos. Reverter esse quadro é um dos principais desafios de Guedes.
Durante a campanha, a promessa era zerar o déficit público no primeiro ano do mandato do presidente Jair Bolsonaro. Instituições financeiras consultadas pelo Ministério da Economia projetam que as contas tenham fechado 2018 no vermelho, em R$ 126 bilhões. Para este ano, o Congresso Nacional autorizou o governo a registrar rombo de R$ 139 bilhões nas contas.
Na lista de sugestões deixadas para o novo governo pelo ex-ministro da Fazenda Eduardo Guardia no fim do ano passado, três propostas agradam mais à equipe de Guedes. A primeira, e a que pode ter maior efeito para o caixa do governo, é segurar os reajustes reais dos salários do funcionalismo público. Nesse caso, o impacto seria de R$ 96,5 bilhões em três anos. Também estão na mira do governo a restrição do pagamento do abono salarial, com impacto de R$ 43 bilhões no período, e a fixação de uma nova regra para reajuste do salário mínimo, que contemple apenas a correção pela inflação. A economia prevista com a medida é de R$ 68,7 bilhões.
Segundo interlocutores da área econômica, embora a decisão ainda não tenha sido tomada, o novo governo “não tem muito como fugir dessas medidas” para reequilibrar as contas públicas. Para especialistas, as propostas são bem-vindas porque é preciso conter o crescimento das despesas do governo federal e estabilizar a dívida pública. As propostas precisam passar pelo Congresso.
Efeito cascata de reajuste
Um dos desafios mais urgentes do governo será fixar nova regra para o reajuste do salário mínimo a partir de 2020. A fórmula atual só vale até este ano. Ela leva em conta a inflação medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) do ano anterior e a variação do PIB de dois anos antes.
A norma foi criada para assegurar ganhos reais aos trabalhadores, mas gerou um peso significativo nas contas públicas, pois aposentadorias e benefícios assistenciais, como os concedidos pela Lei Orgânica da Assistência Social (Loas), estão vinculados ao salário mínimo. Pelas contas do governo, um aumento de 1% no salário mínimo eleva em mais de R$ 2 bilhões as despesas previdenciárias.
A nova regra precisa ser encaminhada ao Congresso até abril. A forma de correção do mínimo deve constar na proposta de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) de 2020 que será apresentada ao Legislativo. A equipe de Guardia sugeriu manter a atualização do mínimo apenas pelo INPC.
Abono teria novo critério
No caso do abono salarial, a avaliação dos técnicos do governo Temer e da equipe de Bolsonaro é que o benefício tem pouco impacto na distribuição de renda e na criação de empregos com carteira assinada. O abono equivale a um salário mínimo e é pago a trabalhadores que recebem até dois mínimos com empregos formais. Há casos de sobreposição do benefício com programas sociais como Bolsa Família e salário-família.
A proposta é alterar o critério de elegibilidade ao benefício de dois salários mínimos para um. Segundo o estudo da equipe de Temer, a mudança resultaria em economia de R$ 7,8 bilhões em 2020 e R$ 17,1 bilhões em 2021.
Para os servidores públicos, a ideia é segurar os reajustes salariais. Os aumentos para as categorias têm efeito cascata devido à paridade remuneratória com os inativos. Mesmo em tempos de crise, os servidores têm conseguido reajustes salariais acima da inflação.
Essa medida, no entanto, deve enfrentar resistência. O governo Temer editou duas medidas provisórias (MPs) para adiar o reajuste salarial dos servidores do Executivo federal de 2017 para 2018 e de 2018 para 2019. A pressão das categorias barrou as propostas.
As MPs foram suspensas pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski, sob o argumento de que o adiamento causaria quebra do princípio da legítima confiança e da segurança jurídica, assim como desrespeito de direitos incorporados ao patrimônio de servidores. As MPs sequer foram votadas pelo Congresso.
Para especialistas, medidas cogitadas são adequadas
Especialistas em contas públicas consideram as medidas fiscais cogitadas pelo governo adequadas para ajudar a segurar o crescimento das despesas públicas e rever o quadro de sucessivos rombos fiscais. Para a economista Margarida Gutierrez, professora da UFRJ, as ações estão no rumo certo porque o ritmo de crescimento das despesas é insustentável:
— Temos um desequilíbrio fiscal colossal. O Brasil não tem como crescer se esse desequilíbrio perdurar. Aí o governo entra em um precipício, e a gente acaba com o país.
Ressaltando que não conhece em detalhes as propostas, o pesquisador do Ibre/FGV e professor do IDP José Roberto Afonso também avalia que as três medidas podem ajudar a reduzir os gastos públicos somadas à reforma da Previdência.
— Gosto muito mais desse tipo de medida, pontual, baseada em legislação infraconstitucional (que não exige mudança na Constituição), que pode ter um impacto fiscal maior que mudanças constitucionais.
A economista-chefe da XP Investimentos, Zeina Latif, observa que o governo Bolsonaro não deve ter grandes dificuldades para aprovar as três medidas no Congresso.
— Abono salarial e mínimo são importantes para cumprir a regra do teto de gastos nos próximos anos. Para Michel Temer, um presidente desgastado e em final de governo, poderia ser difícil. Com Bolsonaro, parece mais fácil — afirma.