Durante séculos, a ideologia dominante no Brasil via a pobreza como uma coisa natural, contra a qual não havia necessidade de preocupação política. No máximo, um sentimento pessoal de caridade. Recentemente, o assunto passou a ser visto sob a ilusão e a promessa de que o crescimento econômico tinha por objetivo também reduzir e até eliminar o quadro de pobreza como, se supunha, nos países desenvolvidos.
É recente a adoção de políticas que servem diretamente, não indiretamente pelo crescimento, para diminuir o problema. Os governos militares implantaram a aposentadoria rural, com conseqüências muito positivas sobre o grau máximo de penúria entre pobres, sobretudo os velhos e seus familiares. O governo Sarney implantou programa de distribuição de comida; o governo Fernando Henrique implantou nacionalmente o programa Bolsa Escola, que Lula espalhou por todo o Brasil, sob o nome e a forma de Bolsa Família.
Estes programas têm sido fundamentais para mitigar o problema da penúria entre os pobres dos pobres. Hoje, a pobreza continua, mas a fome regrediu; as massas, mesmo pobres, compram bens de consumo essenciais. No entanto, depois de 25 anos de democracia, não houve um programa consistente para a abolição da pobreza no Brasil. Um programa que inclua todos os brasileiros nas condições essenciais da modernidade, dando-lhes condições de ascenderem socialmente.
A primeira presidenta no Brasil tomou posse no dia 1º. Sua marca, porém, começou no dia 4 de janeiro, três dias depois, quando lançou o PAC da Pobreza, que propõe ir além dos programas até aqui executados. Tomando a expressão como um conjunto de medidas que visam atingir objetivos, o “PAC” da Pobreza pode representar o primeiro esforço nítido de um Chefe do Executivo Republicano no sentido de enfrentar o problema. Mas, para que esta manifestação de intenção surta efeito será preciso que a presidenta Dilma faça algumas modificações na forma de enfrentar o problema.
Terá que deixar claro que não se trata apenas de mitigar o problema, mas de abolir a vergonha. Para isto, Dilma vai precisar redefinir o entendimento do problema e sua superação. Até hoje, a pobreza é vista como a falta de crescimento econômico, sua solução como o resultado do crescimento ou de transferência de renda por meios assistenciais.
Para enfrentar corretamente o problema da pobreza é preciso pular da economia para a ética, tratá-lo como um assunto moral, usando os recursos da economia, mas sem esperar por ela. E, tecnicamente, a pobreza deve ser vista não como falta de renda, mas falta de acesso aos bens e serviços essenciais, inclusive aqueles que são comprados no mercado, com uma renda mínima necessária. Como, por exemplo, falta de acesso à educação, saúde, cultura e segurança, que não se consegue mesmo comprando estes bens e serviços no mercado. Acesso a uma boa educação e a um bom serviço de saúde tem que ser pela oferta destes serviços pelo setor público.
A pura e simples transferência de renda por meios assistenciais não permitirá a superação do quadro de pobreza. No máximo, permitirá a alimentação comprada no mercado, sem o oferecimento de uma porta de saída da pobreza.
O caminho para enfrentar o problema da pobreza, que fará com que a presidenta Dilma marque definitivamente sua passagem na história, como uma Chefe de Governo e Estado transformadora do país, está em uma revolução conceitual com a adoção do que vem sendo chamado de “keynesianismo produtivo e social”, com o emprego de pessoas pobres, garantindo-lhes uma renda e, sobretudo, possibilitando a produção e a oferta dos bens e serviços, que permitem a saída da pobreza.
Com um conjunto de “incentivos sociais diretos”, capaz de empregar pobres e gerar produção de suas necessidades, tais como, saneamento e freqüência de seus filhos à escola; e “indiretos”, tais como, salários decentes para os professores e implantação de um sistema de saúde pública eficiente será possível executar com eficiência um PAC da Pobreza, um programa de Abolição da Pobreza. Se bem executado, o dia 4 de Janeiro pode virar um 13 de Maio na história do Brasil. Se mal feito ou não feito teremos mais uma data frustrante entre tantas outras.
Cristovam Buarque é Professor da Universidade de Brasília e Senador pelo PDT/DF