No conceito liberal de Democracia, a ideia de Polis, no sentido do tecido social, ainda é vital na significação original, aristotélica, de Política. Aquilo que deveria ser um conjunto de instrumentos para ordenar o tecido social, entretanto, passou a ser uma instituição que tem começo, meio e fim em si mesma, com os políticos, cada vez mais distantes daqueles que dizem representar. O cidadão, em todo início de temporada eleitoral, costuma ser revisitado como um voto que vai resgatar seus interesses. Interesses deles, é claro, não o contrário. A cada movimentação dessa categoria, sejam as eleições, seja a manutenção do poder ou sua mudança, não aparece o cidadão como critério de valor ou referência de conduta. Nada sugere que a deletéria refrega entre os grupos tenha por base ou explicação um projeto A ou B de gestão da coisa pública, a res publica, do universo político dos gregos. Nenhum dos candidatos que se apresentou, ou foram impostos nas convenções, apresentou um projeto de gestão urbana, baseado no conhecimento dos problemas graves de Manaus. Quem apontou a ferida urbana que apodrece Manaus no sentido cívico da mobilidade decente ou de padrões socioambientais desta cidade decadente? Eles se juntaram por um amontoado de conveniências pessoais e de grupos e, em nenhum momento, ponderaram as vias de enfrentamento da tragédia urbana em que se degladiam. Assim tem-se comportado a classe política, não só aqui. Pelo país afora, certamente, para além de suas fronteiras, alheia a necessidade inadiável de olhar as prioridades da Polis, que significaria rever, de modo radical, o conceito e a prática da Democracia.
“Tudo se discute neste mundo, menos uma única coisa: a democracia. Ela está aí, como se fosse uma espécie de santa no altar, de quem já não se espera milagres, mas que está aí como referência. E não se repara que a democracia em que vivemos é uma democracia sequestrada, condicionada, amputada. Porque o poder do cidadão, o poder de cada um de nós, limita-se, na esfera política, a tirar um governo de que não se gosta e a pôr outro de que talvez venha a gostar”, dizia José Saramago, Nobel de Literatura.
Longe de sentar para conversar e adotar os caminhos de superação conjunta do descrédito que tomou conta de sua reputação. Estamos amargando os resultados dessa política menor no cotidiano municipal. A cidade que tem gerado mais da metade dos tributos federais na região Norte não tem recursos do SUS para atender necessidades básicas do cidadão. Temos oferta de energia solar absurdamente abundante ou de energia supostamente barata do gás natural, mas temos uma emissão de carbono preocupante, apesar de estarmos no coração da maior floresta tropical do planeta. O que fazem os parlamentares para resolver esses absurdos? A União tem confiscado 80% dos fundos de infraestrutura, pesquisa e desenvolvimento, riqueza produzida em Manaus, carente de modernização portuária que poderia baratear a cesta básica ou conferir competitividade ao polo industrial da cidade. Esse gargalo foi, ironicamente, destratado pela classe política local, que preferiu pactuar com as benesses dessa (des)ordem corroída. Recolhemos para a União quase três vezes mais em termos de recursos em comparação do que recebemos nas contrapartidas constitucionais. E apesar da proximidade política, quase íntima, do governo afastado com o Amazonas, e da generosidade no repasse para os cofres federais da riqueza aqui produzida, estamos excluídos do Plano Nacional de Banda Larga, temos graves problemas de produção e distribuição de energia, há mais de 10 anos as hidrovias não são dragadas nem sinalizadas, e a rodovia BR 319, que já integrou o Amazonas ao resto do país, não é recuperada em nome dos mais ridículos e hipócrita motivos. De quebra, a diversificação e interiorizacao da indústria que poderia regionalizar a economia e as oportunidades tem esbarrado em embargos obscuros de PPBs da indústria, nocivos ao interesse público e evitáveis se o conceito de representação política fosse minimamente compreendido. E mais: se as prioridades da classe política, estivessem alinhadas com as expectativas da polis, onde habitam os desencantados eleitores, ávidos por um omelete de cidadania. Quais são, com efeito, as reais prioridades da classe política?