Por Alfredo Lopes:
“Faz escuro mas eu canto” , diz o verso teimoso do poeta libertário de Barreirinha. Sem desvario muito menos precipitação, nesta névoa atordoante, que nos iluminem os sábios e que se acendam as porongas da orientação. É insano adotar o maniqueísmo em suas origens moralizantes que divide as pessoas em boas e más, como se os indivíduos não se definissem pelas circunstâncias em que estão mergulhados. O bandido de hoje pode revelar-se aos olhos de um observador mais isento como o Messias de amanhã. A metamorfose do existir é a descrição mais aproximada dos fatos, pessoas e crenças ao longo da História. O momento de convulsão política, insegurança econômica e expectativa de atuação institucional, não pode nos surpreender nem imobilizar. Ele é inerente à história universal do movimento que descreve a luta constante entre o Logos da razão e da reflexão – que a consciência examina – e o Caos, a tradução do absurdo, do niilismo e da contravenção, que a ele se contrapõe. E se nem todos sao anjos nem demônios na Physis original, não somos do Bem nem do Mal, diz o relato dos pensadores pré-socráticos, e a manchete dos jornais de cada instante, apenas somos… e não há distinção entre sujeito e objeto quando se trata de descrever a totalidade. Physis significa, no contexto da imersão de tudo no todo, o conjunto das coisas naturais que existem, incluindo a consciência humana. As deturpações são etapas da movimentação em busca do Logos universal.
Ou seja, somos farinha de um mesmo paneiro universal na medida em que cada dedo que apontamos acusatoriamente em direção ao outro sempre terá, pelo menos, três em nossa direção. “Tudo o que Maria diz sobre João, ajuda mais a entender quem é Maria e menos quem é o João”, diz a Psiquiatria do saber popular. Estamos, pois, imersos na Physis, e a palavra também significa origem. Como os gregos da época consideravam que tudo o que existe é natural, Physis significa a interação de todas as coisas, e “o problema da physis” é a pergunta sobre a origem e a constituição de todas as coisas que existem, daí o papel do Logos, que designa a negação do Caos, e representa a razão, a linguagem, a palavra, ou seja, o pensamento que busca compreender a Physis. E se essa reflexão mais se assemelha a um jogo de xadrez semiológico, o que se busca aqui é também chegar mais perto da razão universal e permanente, que ordena e organiza todas as coisas particulares e transitórias. E o Logos, neste sentido, é um princípio cosmológico – teológico? – ou seja de compreensão do universo, do sentido da existência. E existirmos…. a que será que se destina senão a refletir sobre o papel, o dever de casa de cada um, na declinação de algumas premissas, identificação de parceiros e interações, e integração do Logos da razão ordenadora na Physis onde estamos mergulhados.
Referimo-nos, principalmente, as instituições do Estado de Direito, que nos custou tantas vidas para resgatar. Que elas funcionem, no macro e micro-cosmo das relações, incluindo as entidades representativas das categorias sociais, com transparência e aderência universal onde nos situamos. O importante é que além das emoções, as instituições sobrevivam, a despeito ou por causa dos seus integrantes, contanto que não deixemos de lado a munição de perguntar o lugar, a prioridade ou negligência do interesse público, aqui e agora e em cada situação, seja no Iranduba, Alenquer, Armsterdam, nesse mundão afora e sem fim. Não se trata de desfraldar a ética da ocasião, e sim desfraldar em cada ocasião a ética do bem comum, da pessoa, de todas as pessoas, além e acima da luta de classes, uma categoria mecânica, ora no banco de réus, que é preciso revisitar, reconceituar e ampliar suas implicações. Que sobrevivam e se fortaleçam as liturgias institucionais, os ritos sagrados de defesa incessante e persistente do cidadão, da cidadania, hoje, amanhã, todo dia…