Por Sandro Vaia
Embora nascidos no mesmo berço social-democrata, PT e PSDB mamaram em tetas de mães diferentes e se criaram como dois irmãos pouco fraternos, disputando o poder aos arreganhos, entre tapas e beijos-em verdade, muito mais tapas do que beijos, e consolidando-se como os dois pólos extremos do cenário político nacional.
Como não há verdadeiros partidos de direita liberal-democrática no Brasil, e como os partidos de centro não têm outro centro que não seja a busca das benesses e das vantagens do desfrute do poder pelo poder, vimos a criação desse estranho fenômeno particularmente brasileiro: os dois principais partidos do espectro político são filhos de diferentes concepções da mesma matriz social democrata.
Tornaram-se inimigos, têm visões antagônicas e conflitantes em questões fundamentais. Divergem sobre o papel do Estado como indutor ou regulador do desenvolvimento. Digladiam-se sobre políticas de direitos humanos.
Não estão de acordo quanto ao papel da moral e da ética no exercício da atividade política ou da gestão pública. Acusam-se mutuamente de prevaricações diversas quando no exercício do poder.
Têm visões divergentes sobre prioridades na política externa. Discordam quanto a alguns princípios na aplicação de políticas de inclusão social. Em resumo: nas 5 últimas eleições presidenciais colocaram-se frente a frente como inimigos inconciliáveis, cada um vendo no outro o inimigo mortal a ser vencido. Um inconciliável Fla-Flu político.
Não convidem para a mesma mesa tucanos e petistas porque as garrafas podem voar. Cada um tem seu próprio Brasil e está disposto a atirá-lo na cara do outro.
A não ser que…
A não ser que em uma dessas eleições – mais precisamente a última – eles, entusiasmados demais na troca de ofensas, acusações e desaforos, tenham colocado na arena da disputa mais dinheiro do que aquele que dispunham no bolso.
Como todos sabem, uma das caixas pretas mais tenebrosas e indevassáveis da política brasileira é o financiamento das campanhas políticas. Ninguém quer colocar a mão nesse vespeiro, e as pessoas que zelam pela própria integridade só tocam nesse assunto “en passant”, como se fosse uma coisa desonrosa, um assunto a ser evitado em mesas de boas famílias.
O PT tinha um rombo de 16 milhões em suas contas, o PSDB tinha um de 11 milhões e pouco, e para encerrar o assunto concordaram pela primeira vez em 20 anos em empreender uma ação comum e solidária: assaltar o bolso do contribuinte.
Numa manobra rápida, silenciosa e eficiente, todos concordaram em aumentar em 100 milhões de reais o repasse da União para o Fundo Partidário, a Comissão Mista do Orçamento da Câmara aprovou por unanimidade, e o assunto nem precisou ir a plenário.
A presidente não vetou, o rombo orçamentário dos partidos foi coberto e todos foram dormir felizes. Às nossas custas.
No dia seguinte, acordaram rugindo a inimizade de sempre e cada um se entrincheirou em seu canto continuando a brincadeira de gato e rato, ou de governo e oposição.
Sandro Vaia é jornalista. Foi repórter, redator e editor do Jornal da Tarde, diretor de Redação da revista Afinal, diretor de Informação da Agência Estado e diretor de Redação de “O Estado de S.Paulo”. É autor do livro “A Ilha Roubada”, (editora Barcarolla) sobre a blogueira cubana Yoani Sanchez. E.mail: svaia@uol.com.br