Do CONJUR, Por Glaucia Maria Lauletta Frascino:
*Artigo publicado pelo jornal O Estado de S. Paulo nesta quarta-feira (7/9)
A fixação de honorários advocatícios nas causas que envolvem a Fazenda Pública é mais uma das inovações trazidas pelo Novo Código de Processo Civil (CPC) e que alguma polêmica poderá causar quando da aplicação da nova regra às ações judiciais futuras, bem como àquelas já em curso quando do início da sua vigência.
Cabe aqui um breve retrospecto da legislação sobre o tema, partindo-se da norma anteriormente vigente, mais especificamente do artigo 20 e respectivos parágrafos, do Código de Processo Civil de 1973.
Estabelecia o então CPC que a sentença condenará o vencido a pagar ao vencedor as despesas que antecipou e os honorários advocatícios, os quais serão fixados entre o mínimo de dez por cento (10%) e o máximo de vinte por cento (20%) sobre o valor da condenação (artigo 20, parágrafo 3º, CPC de 1973).
O parágrafo 4º do mesmo diploma, por sua vez, estabelecia regra específica para os casos em que fosse vencida a Fazenda Pública e nas execuções: os honorários serão fixados consoante apreciação equitativa do juiz.
Tal circunstância ensejou, por muito tempo, situação diferenciada entre as partes, pois, enquanto o particular poderia ser condenado em até 20% do valor da condenação, a Fazenda Pública contava com a apreciação equitativa do juiz em relação aos honorários a pagar, quando vencida, o que na prática e no mais das vezes significava a fixação de valores irrisórios em favor da parte vencedora.
É bem verdade que os defensores dessa dicotomia podiam, como de fato puderam, justifica-la pela supremacia do interesse público ao particular, o qual restaria protegido pela impossibilidade de condenações significativas nas demandas em que fosse vencida a Fazenda Pública.
Mas também é verdade que essa diferenciação muitas vezes estimulava – ou, no mínimo, não evitava – que demandas fossem propostas pela Fazenda Pública sem que cuidados mínimos fossem adotados, como, por exemplo, a verificação da certeza e/ou exigibilidade do crédito. Essa foi a realidade desde 1973, especialmente em relação a inúmeras execuções fiscais ajuizadas, até o advento do novo CPC.
O Novo Código, por sua vez, veio inovar nessa matéria, ao veicular norma que equipara as situações, dispondo que nas causas em que a Fazenda Pública for parte – sem distinção se vencida ou vencedora – serão aplicados percentuais sobre o valor da condenação para a apuração dos honorários devidos, os quais diminuem em proporção inversa à evolução dos valores envolvidos. Como exemplo, passamos a ter a aplicação de honorários entre 1% e 3% para a faixa superior a 100 mil salários.
Note-se que, de plano, podemos verificar três alterações importantes: os percentuais serão aplicados independentemente de quem for vencedor ou vencido (se a Fazenda Pública ou a parte contrária); os percentuais, ao menos para as faixas mais elevadas, são consideravelmente inferiores aos 10% a 20% antes praticados; e elimina-se a possibilidade de aplicação equitativa pelo juiz por regra objetiva de apuração de honorários.
Na perspectiva daquele que litiga contra a Fazenda Pública essa alteração traz um sopro de esperança, no sentido de que as condenações nas causas em que obtém êxito lhe sejam mais compatíveis com o esforço e a responsabilidade verificados em discussões mais complexas e/ou de elevada monta, algo improvável no passado.
Já na perspectiva da Fazenda Pública, não há dúvida que a nova regra afasta – ou deveria afastar – a base legal para a exigência de honorários de sucumbência na ordem de 20%, algo absolutamente corriqueiro nas execuções fiscais, tanto no âmbito federal como estadual.
Nada mais razoável que, com o advento do artigo 85, parágrafo 3º, do novo CPC, a exigência dos 20% a título de honorários de sucumbência em toda e qualquer execução fiscal não mais ocorra por parte da Fazenda Pública. Infelizmente, passados alguns meses no início da vigência do novo CPC, o particular ainda enfrenta, sistematicamente, a inclusão desse elevado percentual nas execuções fiscais recém ajuizadas, sem que o Poder Judiciário, por ora, repudie tal procedimento por se mostrar claramente ilegal.
Além disso, é também razoável esperar-se que, mesmo nas execuções fiscais ainda em curso e sem decisão prolatada quando do início da vigência do novo CPC, o Poder Judiciário venha a aplicar a nova regra, reduzindo os honorários aos novos patamares se vencida a Fazenda Pública, algo que não entendemos possível em relação às demandas já decididas quando em vigor o novo CPC.
Tanto em uma hipótese como em outra, devemos observar como o Poder Judiciário se comportará em relação à matéria. Se adotará a linha que nos parece a prestigiada pelo novo CPC – qual seja, no sentido de afastar a dicotomia antes existente, equiparando os riscos do litígio independentemente de quem é a parte vencida e estabelecendo regra objetiva de fixação de honorários – ou se continuará a sobrepor o interesse da Fazenda Pública ao do particular, ainda que sem base legal para tanto.
Essa é, sem dúvida, uma entre as várias matérias em relação às quais a rápida e efetiva manifestação do Judiciário é não só adequada, como extremamente necessária. Espera-se que a interpretação oriunda das Cortes consagre os valores que pretendeu privilegiar o novo CPC, dentre os quais a equidade entre as partes do processo.
Glaucia Maria Lauletta Frascino é conselheira da OAB-SP e sócia do Mattos Filho, Veiga Filho, Marrey Jr. e Quiroga Advogados.