Onde fica o Mercosul?

O artigo abaixo de autoria do diplomata José Botafogo Gonçalves, publicado hoje em O GLOBO, merece leitura e reflexão.

Serafim Corrêa

POR JOSÉ BOTAFOGO GONÇALVES – O GLOBO

O Brasil ainda não formulou uma proposta de política comercial ajustada às condições da segunda década do século XXI

Após a eleição de Jair Bolsonaro para a Presidência da República, houve um aumento considerável de indagações, veiculadas pela imprensa, sobre qual será a política externa do novo governo e qual poderiam ser os efeitos dessa nova política sobre o relacionamento do Brasil com seus parceiros políticos, comerciais e econômicos. Como é óbvio, as principais especulações se concentram na relação do Brasil com os Estados Unidos, com a China, com a União Europeia e com os vizinhos do Mercosul.

Recentemente, o ministro da Economia, Paulo Guedes, alimentou uma pequena polêmica ao afirmar a uma jornalista argentina que “o Mercosul não é prioritário, a Argentina não é prioritária”. O comentário de Paulo Guedes não causa surpresa. Há anos que a academia questiona a validade desenvolvimentista do Mercosul. União aduaneira, zona de livre comércio, ideologias bolivarianas e ausência de acordos comerciais são temas controversos no campo da integração regional do Cone Sul. Proponho-me a indicar erros de perspectiva que inibem avançar conceitualmente no debate.

Erro 1 —O Mercosul não é um quinteto. O Tratado de Assunção de 1991 é um acordo governamental entre quatro países. O Mercosul não tem competência supranacional. É apenas o que os quatro países querem que ele seja. Na verdade, o grupo é hoje o que o Brasil, sócio majoritário, quis que ele fosse. Pensar que o país pode unilateralmente sair em todo ou em parte do Mercosul é uma impossibilidade lógico-política. É como sair de si mesmo.

Erro 2 — É preciso optar entre união aduaneira ou zona de livre comércio. Instrumentos de política comercial não são fins em si mesmos. Dependem dos objetivos estratégicos de política comercial do país, tais como: a) o tamanho da economia; b) o papel do comércio exterior na formação do PIB; c) a competitividade internacional e seus produtos; d) a vocação produtiva do país, seja na agricultura como na indústria; e) a história e a geografia do país; f ) opções políticas ou militares no relacionamento do país com seus vizinhos.

Essa enumeração é exemplificativa. O Brasil ainda não formulou uma proposta de política comercial ajustada às condições da segunda década do século XXI. A revolução do agronegócio no país embaralhou de vez a separação entre a agricultura e a indústria de transformação.

Um almoço em Ipanema, praia cheia de brasileiros, de turistas americanos e argentinos, de visitantes asiáticos, começa com aperitivos procedentes de Escócia, Estados Unidos, México, Chile, Minas Gerais, continua com massas italianas, segue com carne do Cone Sul. Onde termina a agricultura e onde começa a indústria? Qual a nacionalidade dos serviços ali prestados?

Erro 3 —O Brasil não é uma ilha, mas age como se fosse. O país é cercado pelo mar a leste e pela Floresta Amazônica e a Cordilheira dos Andes a oeste. A geografia historicamente levou o país a marginalizar suas relações com os vizinhos sul-americanos. A mesma geografia concentrou na vertente atlântica da América do Sul todas as potencialidades econômicas válidas para o século XXI. As exportações industriais agrícolas e minerais escoam para os mercados mundiais através dos portos do Atlântico Sul, do sistema Paraná-Paraguai e do Rio da Prata, dos rios amazônicos e dos portos atlânticos do norte do país. Uma nova política comercial tem que levar em conta tais potencialidades, não sujeitas às fronteiras políticas de cada país. O novo governo tem a chance de parar de errar.

O Mercosul é aqui!