OAB e Barrigas de Aluguel

Por Joaquim Falcão

Se nos Estados Unidos você assistir televisão, sobretudo, no horário da manhã, vai ficar surpreso com um tipo de anúncio que não tem por aqui. “Comprar um plano de saúde, é fácil. Receber do plano de saúde é difícil. Você precisa de assistência jurídica. Procure o advogado xxxxxxxx”.

“Se você está sofrendo de assédio fiscal em suas contas, defenda-se melhor. Contrate o escritório de advocacia xxxxxxxx especializado em problemas tributários”.

“Se você tomou o remédio xxxxxxxx mais do que dois meses, sua função hepática pode ter se alterado. Procure o advogado xxxxxxxx para obter as indenizações devidas”. E por aí vai.

Serviços de advogados são anunciados com a liberdade de serviços de automóveis ou de supermercados. O exercício da advocacia por lá tem claro lado comercial. Os grandes escritórios se constituindo em sociedades anônimas, com investidores e tudo o mais.

A lógica que os estrutura é tão empresarial quanto qualquer uma que prevaleça para uma companhia cotada em bolsa. Esta lógica começa a conflitar com a lógica brasileira, que proíbe propaganda paga de serviços advocatícios e aproximam a profissão muito mais de uma profissão de interesse público.

Esta é uma das principais discussões, hoje em dia, entre os grandes escritórios de advocacia e a OAB.

Não somente pela expansão dos negócios internacionais no Brasil, mas pela redução do mercado americano, grandes escritórios de advocacia americanos que trabalhavam com os nossos pelo sistema de correspondentes, agora desembarcam. E querem, e já compram, escritórios brasileiros.

A OAB desde 2000 proíbe que estrangeiros prestem serviços sobre direito brasileiro. Podem prestar sobre o direito estrangeiro do país do interessado. Na prática proibiu escritórios estrangeiros.

Em 2010, reafirmou esta sua posição. E agora, há dois meses, o Conselho Federal da OAB puniu um escritório paulista por ter feito uma manobra e atuar como um escritório de fachada. Como diz um dos líderes da advocacia brasileira: “Atuam como barriga de aluguel contra os interesses da própria classe”.

O interessante é notar que as decisões da OAB vêm de suas Comissões de Ética, mas no fundo se trata de disputa de mercado. Tentar manter mercado para seus profissionais tem sido um destino da OAB.

Em 1960, as faculdades de direito respondiam por cerca de 9% das vagas universitárias. Em cada dez diplomas universitários, um era de bacharel em direito. Esperava-se que este índice, com as novas profissões caíssem.

Não caiu. Aumentou. Hoje as faculdades respondem por 12% das vagas. Perde apenas para administração com 17%, e logo em seguida vem engenharia com 8% e pedagogia com 5%.

Este fenômeno é inevitável enquanto ocorrerem dois fatores. Primeiro, enquanto o salário do pior diploma universitário for ainda maior do que o melhor salário do diploma de ensino técnico. Diz respeito à desigual pirâmide de distribuição da renda profissional.

Segundo, enquanto o ensino jurídico privado de má qualidade continuar rentável. Diz respeito a insuficiente número de universitários do Brasil comparado com países desenvolvidos.

Já atormentada com o excesso de oferta de advogados brasileiros para o mercado interno, tentando regulá-lo através de Exame de Ordem, a OAB agora enfrenta este novo problema: o dos grandes escritórios estrangeiros que muita vez chegam a mais de 700 advogados, e são capitalizados ou capitalizáveis como qualquer investimento de perspectiva lucrativa.

Até agora a posição que regulamenta este acesso tem prevalecido amplamente. País nenhum no mundo, neste momento de globalização selvagem, pode deixar de defender seus interesses, inclusive de seus profissionais. Sejam médicos nos Estados Unidos, sejam dentistas em Portugal. Ou mais simplesmente, seja apenas um trabalhador estrangeiro qualquer, que toda a Europa limita e proíbe.

A globalização dos países desenvolvidos tem sido feita por liberdade total para o direito e controle seletivo para os fluxos internacionais de mão de obra. Dois pesos e duas medidas.

Uma globalização que quer controlar a mão de obra não qualificada, porque ela vem dos países emergentes. Mas quer liberdade total para os profissionais qualificados, os seus. Neste cenário, um país não ter regras de controle para o exercício das profissões é no mínimo ingenuidade colonizada.

Joaquim Falcão escreve quinzenalmente para este Blog