Há uma razão democrática que desaconselha o julgamento da ADI impetrada pelo desembargador Nelson Calandra, da AMB, contra os poderes do CNJ.
É que conforme o site do Supremo (http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=4125637) até agora ninguém defende o CNJ.
O CNJ corre o risco de ter, mesmo liminarmente, seus poderes diminuídos, sem que os próprios Ministros conheçam plenamente argumentos que defendem a constitucionalidade. Só tem acusação. Não tem defesa.
As instituições são como pessoas, dizia Gilberto Freyre. Também têm biografias. Acrescentaríamos, têm direitos a defender e futuro a construir. Como pode o Supremo decidir sem ninguém nos autos a favor do CNJ?
A lei não obriga o Ministro-relator a ouvir o Ministério Público e o CNJ no momento da liminar. A lei só obriga a ouvir depois da liminar. Mas por quê o caso tem que ser, na prática, decidido em liminar? Sobretudo quando algumas liminares se eternizam?
Todos concordam, porém, que o relator tem o poder discricionário de ouvir, ou não, MP e CNJ. O ponto principal é este, a quê reside o poder real. Como o Ministro Marco Aurélio está usando deste poder discricionário que a lei lhe confere. Ouvir ou calar. O Ministro, até o momento, afastou os que quiseram ser ouvidos.
A OAB pediu para participar do processo como amicus curiae. O Ministro negou. Afirmou que o tema da ação era “pertinente apenas a magistratura nacional e não há premissa suficiente a participação do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil”.
Ora, a OAB é constitucionalmente membro do CNJ. Será que ela não pode participar do processo desde o início? Sobretudo quando o início às vezes é o fim?
A ANAMAGES (Associação Nacional dos Magistrados Estaduais) também quis ser ouvida. O relator também negou. Basta a AMB. Embora seja a mais importante das associações de juízes, não é a única representante dos juízes brasileiros. Existem dezenas de outras. Muitas com opinião contrária a da AMB. Também não podem ser ouvidas.
Esta posição do Ministro Marco Aurélio é previsível. Em voto público ele já afirmou que o Conselho Nacional de Justiça é uma “vã esperança” que não resolveria os problemas do Poder Judiciário.
Se não por convicção própria, respeitável e legal, pelo menos para com a comunidade política, jurídica e a opinião pública, e para os próprios Ministros, um maior pluralismo de argumentos seria oportuno e conveniente. Não é o princípio do contraditório, indispensável à decisão justa? Mesmo a decisão efêmera, de uma liminar de efeitos cruciais? Não é o contraditório valor a ser protegido e concretizado sempre que a lei o permitir? Como no caso?
Ao contrário do que parece, o fato de idéias e argumentos não estarem no processo, não os expulsam da vida. Dos corações e mentes. Portugal proibia a entrada de livros liberais e impedia até que o Brasil tivesse editoras. O que não impediu que o liberalismo fecundasse nossa posterior independência.
No passado, dizia-se que tudo que é sólido se desmancha no ar. Mas hoje o ar é sólido. É a televisão, é a internet, é a imprensa, é a opinião pública. As idéias e a esperança por um Judiciário mais ético e eficiente se infiltram e buscam os céus do estado democrático de direito. Na semana passada o CNJ se transformou, pela primeira vez, em “trend topic” do Twitter.
O Ministro Marco Aurélio foi prudente quando afirmou que a ação não deveria ser julgada na semana passada, como previsto. “Não haveria clima para tanto”.
A pauta do Brasil não pode ser um debate técnico de direito processual: se o Supremo pode tomar decisão tão crucial sem plenamente ouvir argumentos contrários. A pauta deve ser a liderança e o exemplo do Supremo no permanente concretizar do contraditório, do devido processo legal e da democracia.