Por Aécio Neves
Inicialmente, registro a minha satisfação em participar, a partir de hoje, semanalmente, deste fórum de debates, marcado pela independência e pela pluralidade de ideias acerca das grandes questões do nosso tempo.
Confesso que havia me preparado para abordar, neste artigo inaugural, um outro tema da agenda nacional. No entanto, colhido pela dolorosa perda de Itamar Franco, impus-me uma natural revisão.
Escrevo ainda impactado pela despedida do amigo fraterno e pelas emocionantes demonstrações de respeito e justo reconhecimento feitas a ele em seu funeral em Minas.
Nesses dias tristes, quase tudo se disse sobre o ex-presidente. Lembramos a sua personalidade única, a retidão do caráter, a coragem política, a sua integridade e a sua intransigência quanto aos valores éticos e morais, e o papel central que desempenhou à frente da Presidência da República.
Tudo isso é verdadeiro. Mas a verdade não se resume a isso. Precisamos reconhecer a legitimidade da mágoa que Itamar carregou consigo durante muito tempo, fruto das incompreensões e da falta de reconhecimento à sua contribuição ao país.
Se há no Brasil quem diga que, depois de morto, todo mundo vira santo, acredito que os elogios com que Itamar foi coberto após a sua morte não tinham a intenção de “absolvê-lo” ou, muito menos, de santificá-lo aos olhos da opinião pública, mas sim de nos redimir dos pecados da ingratidão e da injustiça com que tantos de nós o tratamos, durante tanto tempo.
Nesse sentido, os mineiros prestaram a Itamar, sem saber que seria a última, uma belíssima homenagem. Ao conduzi-lo de volta ao Senado, retiraram-no do ostracismo, encheram de brilho e orgulho o seu olhar e permitiram que o Brasil se reencontrasse com o ex-presidente. Permitiram também ao grande brasileiro se reencontrar com o seu país.
Durante esses poucos meses, ele caminhou com altivez sobre o chão do Parlamento, o qual considerava sagrado.
Seus passos foram guiados pelo sentimento de urgência que move os que, verdadeiramente comprometidos com o país, sabem que os homens podem, às vezes, esperar. Mas a pátria, não. Sua presença iluminou o Senado e ele nos deixou fazendo o que mais gostava: lutando pelo Brasil.
A obra de todos e de cada um é sempre inconclusa. De tudo que vou guardar comigo, levarei sempre a lembrança do sentido preciso que ele tinha da nossa transitoriedade. Esses dias, voltou-me à memória trecho antigo que diz: “Dizem que o tempo passa.
O tempo não passa.
O tempo é margem.
Nós passamos.
Ele fica”.
Pena que alguns estejam passando por nós e seguindo em frente tão depressa, quando ainda são tão necessários…
AÉCIO NEVES, senador pelo PSDB-MG.