O PT COM MEDO DE PEIDO

Por Ribamar Bessa:
– Menino, tua camisa está com medo de peido.
Foi assim que a Elita, filha da dona Nêga, nossa vizinha lá no beco, em Manaus, saudou minha passagem em frente à sua casa no meu primeiro dia de aula, há 60 anos, quando era eu ainda analfabeto. A expressão criada pela sabedoria popular era muito usada, pelo menos no Amazonas, para denominar uma camisa muito curta. Eis o que eu queria dizer: foi essa “camisa com medo de peido” que vários amigos meus do PT vestiram depois da prisão de Dirceu, Genoíno e Delúbio.
Por que este modelo medroso de camisa? No meu caso, é fácil explicar. Sem dinheiro para comprar a farda do Colégio Aparecida – calça marrom e camisa branca – minha mãe fabricou, ela própria, o uniforme, em uma antiga máquina de costura Singer que tinha pedal gradeado de ferro, gabinete e gavetas. Para isso, transformou os restos de uma batina velha do meu tio, mas o pano era insuficiente e a camisa ficou acima da cintura, deixando meu umbigo de fora. Nunca mais esqueci a gozação da Elita.
E no caso do PT, qual o receio? Na abordagem das recentes prisões, alguns companheiros vestiram simbolicamente a camisa do PT, mas um modelo curto, deixando a descoberto o bumbum, que ficou mais por fora que umbigo de vedete. Eles juram de pés juntos que Dirceu, Genoíno e Delúbio são inocentes, foram injustiçados pelo Supremo Tribunal Federal (STF), podem ser considerados presos políticos e devem ser tratados como heróis e mártires. Em consequência, execram o presidente do STF, Joaquim Barbosa, como alguém “vingativo”, “ressentido” e “mesquinho”. Esse é o resumo da ópera.
Dirceu crucificado
Confesso que aqui, neste espaço semanal, tenho me omitido pela mesma razão que levou o Dedé, hoje no Cruzeiro, a não querer jogar neste sábado contra o Vasco, seu time do coração. Não sou um craque como o zagueirão, mas fui presidente do PT-AM e delegado ao encontro nacional em fevereiro de 1980, no Colégio Sion, quando votamos o programa, o estatuto e o plano de ação do partido. Por isso, me recuso a fazer coro com vozes, algumas delas tenebrosas, que se rejubilam com este episódio. Acho que um PT enfraquecido não é bom para o Brasil.
A prisão de Genoíno, a quem admiro, me dói pelos sonhos compartilhados. No entanto, me dói igualmente a reação irracional de companheiros que, de camisa curta, defendem o indefensável. Zombam de nossa inteligência. Intimidam. Um sindicalista, com formação católica, chegou ao cúmulo de dizer num exagero exorbitante que “Dirceu foi condenado, como Jesus, por ousar desafiar os poderosos”. Juro que ele escreveu isso: tem registro e testemunhas. O “argumento” me foi repetido nesta quinta-feira por um amigo com quem casualmente encontrei no Aeroporto de Confins.
– Isso é uma heresia. Quando morrer, você vai pro inferno – eu lhe disse, brincando, mas ele não gostou. Acrescentei que esta não era uma forma eficaz de defesa dos condenados pelo STF, além de expô-los ao ridículo. Argumentei:
– A comparação é descabida. Dirceu foi condenado não por haver lutado contra a ditadura há quase meio século, mas pelo que fez recentemente, quando, deslumbrado, já estava no exercício do Poder. O Crucificado nunca esteve no poder, não comprou votos do Grande Sinédrio, não nomeou os membros da Suprema Corte Judaica, não escolheu Caifás, Pilatos, Herodes e Dias Tóffoli. A comparação só seria pertinente se o crucificado fosse outro, aquele a quem Jesus de Nazaré prometeu: “Em verdade, em verdade te digo, que hoje mesmo estarás comigo no Paraíso”.
Mas muitos petistas, felizmente, não vestiram a “camisa com medo de peido”, escolheram outro modelo.  É o caso de um dos fundadores do PT, ex-governador do Rio Grande do Sul e ex-ministro do Lula, Olívio Dutra, para quem Dirceu, Genoíno e Delúbio não são presos políticos: “Com todo o respeito que essas figuras têm, mas não é o passado que está em jogo, é o presente, e eles se conduziram mal” – disse o bigodudo gaúcho.
O ministro-chefe da Secretaria Geral da Presidência, Gilberto Carvalho, embora declarando que estava “de coração sangrando por companheiros presos”, reconheceu que “o PT foi induzido a práticas condenáveis de corrupção por conta do financiamento privado de campanha”.
A salvação do PT depende agora de militantes capazes de fazer autocrítica e não daqueles que, de camisa curta, querem legalizar uma prática condenada por lei e pelo programa do Partido. Esses últimos estão mais comprometidos com o aparelho partidário do que com os destinos do Brasil. Quando questionados, tentam desqualificar quem pensa diferente deles, acusando-nos de “janista”, “udenista”, “moralista”, “inocentes úteis”.
Medo de pagar
Desde sua fundação, o PT lutou contra a corrupção e ganhou o apoio da parte sadia da nação. Agora, que pela primeira vez na história do país banqueiros são presos por crimes financeiros, alguns militantes acham isso uma arbitrariedade, porque junto com os banqueiros foram punidos também sócios do núcleo político. É estranho que militantes fanáticos busquem desmoralizar o STF, cujos membros foram em sua maioria nomeados por Lula e Dilma por seus méritos profissionais. Trata-se de um tiro no próprio pé, que compromete o avanço da democracia.
Parem com isso! Henrique Pizzolato não é um exilado político, é um foragido da Justiça. Chega a ser patético afirmar que Dirceu é um preso político, quando se trata de um político preso, e aqui a ordem dos fatores altera o produto. O Brasil não vai acabar porque transgressores da lei foram encarcerados.Não é correto falar de “golpe”. Essa história que anuncia “depois de mim, o Delúbio” não se sustenta. Quem errou, tem que pagar pelo que fez. Afinal, quem tem medo de pagar, não come.
Os condenados não foram a quadrilha de banqueiros e o núcleo político que com ela operou. O pecador não interessa, mas o pecado sim. O que se condena, mais do que pessoas, é um tipo de prática que não podemos aceitar, justificar e defender. Reconhecer isso nos dá força moral para lutar por uma reforma política e para cobrar julgamento do valerioduto do PSDB em Minas Gerais, que contou com a participação de Eduardo Azeredo, causando prejuízos de R$3,7 milhões ao Estado de Minas Gerais.
Denúncias pipocam sobre a corrupção no governo paulista em licitações do setor metroferroviário, envolvendo políticos do PSDB e do DEM que receberam propinas de várias empresas. As vozes tenebrosas, oriundas do fundo das cavernas, que demonstraram júbilo com as prisões de Genoíno, Dirceu e Delúbio, agora se calam. Como cobrar a apuração desses crimes, se, como eles, usamos “camisa com medo de peido” e exibimos medo de algo muito mais consistente do que uma mera ventosidade?