Machado de Assis, o Bruxo do Cosme Velho, tinha o dom de vidente, mas não previu que “O alienista”, escrito em 1882, se converteria em “O presidiário” em 2019. Aconteceu na quinta (21), quando cinco deputados do RJ tomaram posse dentro do presídio. No mesmo dia foram presos o ex-governador Moreira Franco, o coronel Lima – “nomeá-lo-ei como o meu Queiroz”, o ex-presidente Michel Temer, acusado de comandar a quadrilha que teria desviado R$ 1,8 bilhão e mais sete pessoas. Por causa disso, “os CDS dispararam de 160 para 166 pontos” – alardearam, em pânico, os jornais.
O que significa a alta dos CDS? Sei lá! Os únicos CDs que conheço – e olhe lá! – são os CDs-Rom, aqueles discos de plástico compactos de memória, que armazenam informações e ficam imprestáveis quando arranhados pelas netas. Não entendi, então, o pânico da mídia. Foi aí que me explicaram que era uma reação do mercado financeiro às prisões. Telefonei, apreensivo, para a economista Cleísa Magaldi que está para mim assim como o Guedes está para o Jair.
– Que merda é essa de CDS?
Ela me deu uma aula:
– I will explain to you. CDS é uma sigla de Credit Default Swap, um contrato que envolve taxas de juro, moedas e commodities bastante usado por empresas, bancos e instituições de investimento como aplicação especulativa. É uma espécie de papel que funciona como um seguro contra a inadimplência de um país e que, em decorrência da prisão do Temer, subiu seis pontos, o que obriga os investidores a pagar a oscilação da taxa ou do valor de um ativo. Entendeu?
Bobos de esquerda
Não. Não entendi bulhufas. O que tem a ver o nu com as calças? Mais de 200 milhões de brasileiros não investem, não se beneficiam e sequer sabem o que é Credit Default Swap. Além disso, se o mercado está de um lado, eu vou para o oposto. Não estou nem aí para o CDS. O que me abalou – confesso – foi a análise de especialistas, uns respeitáveis, outros nem tanto, para quem essas prisões constituem ameaça ao estado de direito democrático. Reinaldo Azevedo, autor de “O País dos Petralhas”, no qual esculhamba o que ele chama de “lulo-petismo”, defende agora – ainda bem – princípios:
– Alguns bobos de esquerda e as hostes bolsonaristas comemoraram a prisão de Temer. É a prova de que não aprendem nada e de que se estreitam num abraço insano. Aplaudiram também a de Beto Richa.
Diante deste “sábio de direita”, que não me convenceu, admito que sou um “bobo de esquerda”, mas nego o “abraço insano”. Sedento de justiça, comemoro e bebemoro, mas sem o Moro, a punição de assaltantes dos cofres públicos, que desviam criminosamente verbas dos hospitais e da merenda escolar em benefício pessoal. Por sede de justiça e não por vingança, queria ver preso Aécio Neves, que vai votar a reforma da previdência, e tantos outros, especialmente quem mandou matar Marielle.
Bretas não é flor que se cheire. Moro fede com suas idas e vindas ao FBI e à CIA, com sua subserviência, suas prisões seletivas que obedecem a critérios partidários e eleitoreiros, sua leniência com o caixa 2 de Onyx Lorenzoni, o homem que mata com liquidificador. No entanto, as recentes prisões são “briga de branco” e não necessariamente uma “aberração legal”. Aberração é Temer, quando no poder, proteger o coronel Lima que estava calando e vagando para a Polícia Federal, da mesma forma que ocorre hoje com Queiroz e Flávio Bolsonaro. Isso é aberração legal.
O Alienista
Reinaldo Azevedo critica as arbitrariedades de prisões preventivas, feitas, segundo ele, sem fundamento. Considera que solto, Temer não representa risco à investigação, apesar dos precedentes: gravações no Jaburu, mala de dinheiro do Loures, o “tem que manter isso, viu?”, em relação à propina paga a Eduardo Cunha para ficar calado e mais evidências. O procurador Eduardo El Hage, coordenador da Lava-Jato no Rio, garante que a prisão de Temer é hoje necessária, “porque há dinheiro desviado que continua em circulação”. Cita os R$ 20 milhões que tentaram depositar na conta do coronel Lima.
Já o jornalista Igor Gielow, que vai na mesma linha, cai em contradição ao avaliar a prisão de Temer como uma boa notícia para Bolsonaro, mas como um risco para a reforma da Previdência, “pedra fundamental para o governo”. Pode, Arnaldo? Uma coisa não exclui a outra?
Tantas prisões nos fazem perguntar: quem vai ficar fora da cadeia? Corremos o risco de reeditar “O Alienista”, cujo protagonista, o médico Simão Bacamarte, constrói em Itaguaí um enorme hospício com cem janelas, um pátio e cubículos para os loucos. Os moradores se rebelam e fazem uma manifestação contra os internamentos em massa. Simão Bacamarte manda recolher ao hospício os manifestantes, sua própria esposa e o presidente da Câmara. Mas no final, diante do manicômio lotado, os “loucos” são liberados e o médico decide se internar voluntariamente.
Suspeitamos que a operação “Minha Cana Minha vida” pode reeditar o alienista, substituindo o hospício pelo presídio. Algo já foi feito. O então governador Moreira Franco, em 1987, precavido, criou Bangu I, presídio de segurança máxima, como parte do Complexo Penitenciário de Gericinó que já “abrigou” cinco ex-governadores do Rio em uma de suas 25 unidades prisionais. Agora, já foi cogitada a transferência de Moreira de Niterói para o presídio que construiu. Foi lá, em Bangu, que a Assembleia Legislativa do Rio deu posse a 5 deputados presidiários, num fato histórico inédito.
O “Minha Cana Minha Vida” está ancorado no Programa Renda Máxima que transfere ilegalmente recursos públicos para manter privilégios privados de castas. Se cada preso fizer delação premiada, o Brasil vai se tornar um gigantesco presídio, correndo o risco de arrastar para lá integrantes do próprio Poder Judiciário. Teremos, então, de construir um muro como o de Trump cercando as fronteiras do Brasil, onde todo mundo permanecerá preso. É uma pena, mas nesse caso o CDS terá uma subida estratosférica.
P.S. – Em março de 2016, O ALIENISTA E A OPERAÇÃO LAVA-JATO – http://www.taquiprati.com.br/cronica/1256-o-alienista-e-a-operacao-lava-jato
OBS: ILUSTRAÇÕES: Merthiola e Filho da Dile