Tomo emprestado o título da celebrada obra do poeta inglês John Milton para tratar da prosaica, mas não irrelevante, erosão das bases tributárias, a principal causa da crescente desigualdade entre países e pessoas.
Essa patologia tributária consiste no dissimulado deslocamento de lucros de grandes multinacionais e fundos de investimentos para países e dependências, indulgentemente denominados paraísos fiscais, onde se recolhe pouco ou nenhum imposto e tão somente “alugam” suas jurisdições mediante pagamento de módicas taxas.
Há uma vasta coleção de impactantes estatísticas que revelam a desproporcional dimensão dessa patologia. Destaco duas delas: Ugland House, modesto edifício de 5 pisos nas Ilhas Caymann, abriga as improváveis sedes de 26 mil empresas, o que foi considerado pelo então Presidente Obama como o maior escândalo fiscal contemporâneo; estudo do FMI, em 2019, mostrava que os investimentos estrangeiros “diretos” no minúsculo Grão-Ducado de Luxemburgo alcançavam um montante de 4 trilhões de dólares, o que corresponde a inacreditáveis 10% do total global.
Desde 2013, quando o tema foi suscitado em reunião do G-20, na Rússia, incumbiu-se a OCDE de elaborar um ambicioso projeto denominado BEPS (Base Erosion and Profit Shifting), visando reverter essa anomalia tributária, que debilita sobretudo a capacidade fiscal dos países não desenvolvidos.
A despeito dos laboriosos estudos realizados e dos vigorosos discursos pronunciados, entretanto, são pífios os resultados daquela iniciativa.
Talvez, em razão da escassez de recursos para enfrentar as crises associadas à pandemia da Covid-19, o tema passou a despertar uma especial atenção.
Antes notório empecilho a todas as iniciativas tendentes a constranger os paraísos fiscais, os Estados Unidos, desde o início do governo Biden, mudaram de posição, dando razão ao que dissera Winston Churchill: “os Estados Unidos farão a coisa certa, depois de tentarem todo o resto”.
Pretende-se, em reunião do G-7 marcada esta semana, firmar acordo para estabelecer uma alíquota efetiva mínima de 15% do imposto de renda das empresas, país a país, o que seria um passo vigoroso para expungir a hipocrisia dos paraísos fiscais. Caso prospere, a proposta será submetida ao G-20, grupo de países do qual o Brasil participa, em reunião prevista para julho próximo.
São notícias auspiciosas que convergem com a recente decisão da União Europeia (UE) obrigando as grandes multinacionais (receita global, por 2 anos consecutivos, maior que 750 milhões de euros), que operam no bloco, a divulgarem a relação de países onde realizam lucros e recolhem tributos.
Ainda que essa publicidade esteja restrita aos países que integram as questionáveis listas de paraísos fiscais, aprovadas pela UE em 2018, há que se reconhecer que é a primeira iniciativa, tomada no âmbito do bloco europeu, para enfrentar o que certamente é a maior distorção da história da tributação e reduz outras distorções a meras travessuras infantis.
O mais curioso é que, contrastando como nossa reconhecida baixa autoestima, o Brasil, no contexto de uma ampla reformulação da legislação do imposto de renda das pessoas jurídicas (IRPJ), foi o primeiro país do mundo, por força da Lei nº 9.430, de 1996, a definir objetivamente paraísos fiscais e fixar contramedidas compensatórias aos negócios com essas jurisdições.
Essa reforma que incluiu, entre outras medidas, a eliminação da dedutibilidade da correção monetária do patrimônio líquido, a adoção dos juros remuneratórios do capital próprio e a isenção na distribuição de resultados, resultou, entre 1996 e 2002, em aumento real de 117% na arrecadação do IRPJ e elevação de 50% em sua participação no PIB.
Especula-se, agora, sobre a extinção de algumas dessas medidas. Seguramente, será a festa da evasão fiscal e do planejamento tributário abusivo. Por consequência, haverá impacto negativo nas receitas tributárias, em circunstâncias de delicado equilíbrio fiscal. Não corre o risco de dar certo, como diria Roberto Campos.