O resultado das eleições municipais espanholas abalou a esquerda no país. Pela primeira vez no pós-Francisco Franco, o PSOE (Partido Socialista Operário Espanhol) não governará a Comunidade Autônoma de Castilla-La Mancha.
A Prefeitura de Barcelona também deixará de ser administrada pelo partido depois de 32 anos, bem como Sevilha, há 12 anos com o PSOE no governo.
O conservador PP (Partido Popular) garfou 37% dos votos, contra 27% do PSOE, do primeiro-ministro, José Luiz Zapatero. Um duro golpe justo neste momento: um forte movimento popular mantém dezenas de cidades tomadas por protestos que rechaçam o corte nos programas sociais e dos incentivos à produção, que levou à alta do desemprego (20%) e ao empobrecimento.
Ou seja, o descontentamento com uma condução conservadora da economia favoreceu justamente o partido que defende o receituário neoliberal. A maior responsabilidade é do PSOE, que há anos se afasta de sua identidade ideológica original, causando confusão nos espanhóis.
Afinal, se o partido de direita e o que se diz de esquerda são iguais, qual motivo para votar no segundo?
O que os trabalhadores sabem é que a Espanha vai mal. As manifestações continuam e cobram uma agenda historicamente identificada com a esquerda: um Estado ativo na indução do crescimento econômico com geração de empregos e distribuição de renda — não para levar à ascensão social, mas para restaurar o bem-estar social existente até a eclosão da crise econômica mundial de 2008-2009, cujos efeitos ainda vigem na Europa.
A situação nos faz questionar se, ao chegar ao poder, o PP será obrigado pelas ruas a governar com uma agenda estranha a suas origens.
Impressiona mesmo que uma das maiores manifestações populares de impacto global nas últimas décadas tenha ocorrido, mais uma vez, por meio da Internet — foi assim no mundo árabe.
O movimento 15 de Maio, na Espanha, foi forjado pela interação entre jovens, trabalhadores e famílias da ex-classe média via mídias sociais, como o Twitter e o Facebook.
A web se prova ferramenta eficaz de mobilização popular: a insatisfação que antes existia, mas não transbordava para além de círculos sociais restritos, hoje se acumula na Internet e une pessoas de todos os cantos do país em torno de objetivos comuns.
Esse novo fator deve ser considerado na articulação política, inclusive no Brasil. Vimos algo similar em São Paulo, com a convocação do “churrascão da gente diferenciada”, protesto que reuniu milhares de pessoas para cobrar do governo tucano no Estado a instalação de uma estação de metrô que quase saiu dos planos do governador Geraldo Alckmin após reclamações da elite local.
O governante, hoje, não tem de estar de olho só nas ruas: é indispensável saber também o que há na Internet, ao custo de se distanciar de movimentações de massa que não dependem de organizações formais para ocorrer, bem como não necessariamente seguem linha política clara ou coerente.
O enorme potencial de mobilização pela Internet resulta em um embaralhamento saudável do jogo político, que só tem como resultado fortalecer a democracia no Século 21.
José Dirceu, 65, é advogado, ex-ministro da Casa Civil e membro do Diretório Nacional do PT