Quando da Constituinte de 1988 foram criados cinco Tribunais Regionais Federais abrangendo cinco regiões. O Amazonas ficou na primeira região que abrange catorze estados e tem séde em Brasília. É o maior em número de Estados. Como todos sabem temos peculiariedades que são só nossas desde as questões do Polo Industrial, passando pela nossa biodiversidade e as ameaças que sofre e chegando até às questões relativas ao tráfico internacional de drogas.
Dentro desse contexto nada mais lúcido do que dividir a área de atuação do TRF da primeira região em dois grupos fazendo surgir um Tribunal Regional que cuide especificamente das questõies relativas à Amazonia.
Nesse sentido, reproduzo o artigo publicado pela Dra. Jaiza Fraxe, Juiza Federal, Mestre em Direito Público pelo Universidade Federal de Pernambuco e doutoranda em Biotecnologia pela UFAM, que aborda de forma muita clara e objetiva a questão. Convém lembrar para os mais novos que lá nos anos 70 situação semelhante aconteceu para que fosse criado o Tribunal Regional do Trabalho. Naquela altura as questões eram encaminhadas à Belém e foi o então vogal da Justiça do Trabalho, Flaviano Limongi, quem tomou iniciativa de levantar a discussão cujo resultado mais tarde foi a criação do TRT do Amazonas.
A iniciativa da Dra. Jaiza é louvável e deve merecer o apoio de todos, independente de cores partidarias, ou qualquer outra diferença que nos separe.
Abaixo o artigo:
O Norte é capaz
Jaiza Maria Pinto Fraxe
Dizer que a Amazônia é tema de discussões polêmicas é lugar comum. Já está na hora dos amazônidas afirmarem ser a Amazônia mais que um simples tema. Podemos e devemos ser o palco de tais discussões e suas respectivas decisões, que não interessam apenas a esta rica região, mas ao planeta Terra.
Sob diversas perspectivas, a Amazônia precisa ultrapassar os contra-sensos de que tem sido vítima. Ora tem sido constantemente esquecida diante da expansão do restante da sociedade nacional, ora é alvo de extrema cobiça dos organismos e entes locais e estrangeiros.
A Amazônia está situada numa grande Planície, dando-nos a sensação de espaciosidade. Trata-se de uma imensidão de pelo menos três milhões e meio de quilômetros quadrados. A região é peculiar não apenas pelas suas particularidades, mas sobretudo por sua riqueza e a cobiça dela conseqüente.
De suas peculiaridades falando, a biodiversidade de que somos privilegiados constantemente é vítima da biopirataria, praticada tanto por criminosos comuns como por grandes negociantes, a exemplo de uma poderosa empresa estrangeira que chegou a patentear o nome cupuaçu. Outro triste exemplo recai sobre o estrangeiro condenado pela Justiça Federal por retirar de seu habitat natural e tentar levar para a Europa diversas espécies de aranhas da região.
Com nossas plantas medicinais e animais exóticos, além de matéria prima para a farmacologia, a preocupação não deve ser menor. Somos naturalmente ricos de fauna e flora, além do tesouro precioso que é nossa bacia hidrográfica, motivo de cobiça internacional. Na modernidade, acrescente-se a descoberta de reservas de gás natural, importante fonte de energia. E se naturalmente ricos, não podemos ser faticamente desprovidos da devida proteção, que quanto mais próxima, mais eficaz.
Ademais, o Pólo Industrial de Manaus, disciplinado por normas específicas e situações diferenciadas, torna necessária a proximidade com o tribunal onde muitos de seus destinos são julgados, revertendo em mais geração de riqueza, empregos e desenvolvimento tecnológico.
Nossa posição geográfica de área de fronteira, favorece o contrabando de produtos e armas, além do flagelo do tráfico de entorpecentes. Assim, a distância entre a sociedade local e o palco de julgamento das questões torna a nação toda mais vulnerável.
A cultura tradicional dos povos indígenas e todas as polêmicas envolvendo seus direitos demandam também a presença institucional a dar soluções mais rápidas para questões envolvendo suas terras, a preservação de sua cultura, de sua saúde e de sua própria sobrevivência.
O Estado do Amazonas abriga uma Seção da Justiça Federal, em Manaus, e apenas uma Subseção, em Tabatinga. Ao todo são apenas sete Varas. Os recursos interpostos das sentenças aqui proferidas são julgados em Brasília, onde fica a sede do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, que é o maior de todos do país, abrangendo catorze Estados, dentre os quais todos os da Região Norte.
Apenas quem convive diariamente com o jurisdicionado amazônico sente o desalento da sua expressão quando se diz “o seu processo foi para Brasília”. Há um misto de sensação de impotência diante da distância, de incerteza diante do tempo e, acima de tudo, de inferioridade em razão de morar tão longe do Tribunal que vai reformar ou não sua sentença.
Na literatura – seja nacional ou estrangeira – sobre território, poucas obras tentam compreender o que as pessoas sentem sobre seu espaço e lugar. Por sua vez, as normas legais sobre o assunto tendem a não explorar diretamente esses conceitos, já que os planejadores de leis, com sua necessidade urgente de agir, algumas vezes apressam demais a produção de normas sem levar em consideração a experiência, as emoções e o sofrimento humano.
Criar um tribunal regional federal no norte traria a diminuição da distância entre o jurisdicionado e a Justiça, tornaria mais próxima a realidade, mais rápido o final do processo, mais efetiva a realização da atividade jurisdicional.
John Dewey, filósofo pragmático, já esclareceu que devam ser as coisas explicadas não por causas além da natureza (ou sobrenaturais), mas pelo seu lugar e sua função no meio ambiente.1 Nesse sentido, a Amazônia necessita urgentemente mostrar ao mundo e sobretudo ao Brasil a sua razão de existir, o seu verdadeiro espaço.
O espaço é a matéria trabalhada por excelência. Nenhum dos objetos sociais tem tanto domínio sobre o homem, nem está presente de tal forma no cotidiano dos indivíduos. A casa, o lugar do trabalho, os pontos de encontro, os caminhos que unem entre si estes pontos são elementos passivos que condicionam as atividades dos homens e comandam sua prática social. A práxis, ingrediente fundamental da transformação da natureza humana, é um dado sócio-econômico, mas é também tributária das imposições espaciais.2
Como já explicou o escritor Milton Santos, através do tempo, o espaço se comporta como um todo3. Em outras palavras, a transformação do espaço natural tem-se mostrado como decorrência de uma série de posições e escolhas historicamente identificáveis. Cada porção do espaço é apropriada, reutilizada ou deixada intacta. Isso significa que o valor de cada subespaço também se transforma, em relação a outros subespaços, todos dentro de um mesmo espaço nacional. Cada um dos subespaços, ao ser submetido a uma série de impactos de natureza distinta, como enchentes, secas, colonizações, demarcações, caça predatória, enfim, situações diversas que os diferem dos demais, encontra sua explicação dentro de uma dinâmica global.
Ora, quem conhece e realmente valoriza o espaço amazônico? Quem respeita, preserva, transforma e mantém intacta a fauna e a flora? Aru é um fenômeno natural comum da selva amazônica – e aparentemente inofensivo. Presente durante todo o ano, mais intenso na estação da cheia, ele é causado pela alta umidade e gera neblina na copa das árvores. É aquela cerração que, vista de cima, parece uma camada de algodão sobre a floresta. Em junho passado, essa fina névoa ensinou uma vez mais que, na selva, nada deve ser menosprezado. Um helicóptero Pantera, do Exército, tentou furar o Aru que se formara no fim de uma tempestade sobre um afluente do Rio Amazonas. Ele se desorientou e desabou na água. O piloto, morreu na hora. Outros quatro tripulantes sobreviveram.
O território amazônico, sempre carregado de geossímbolos, é lugar de uma alteridade consentida. Nele, existe um significado econômico, social, político, jurídico e sobretudo biológico. Em seu sentido humano, o nosso território é essencialmente lugar de mediação entre os homens e sua cultura.4 Nas sociedades primitivas, os pontos notáveis, os nichos ecológicos especialmente protegidos e hospitaleiros, as fontes, os lagos, os rios são os primeiros lugares a serem apropriados e garantidos pelas populações. Em torno dele se desenvolve o que o etnólogo Maurice Leenhardt chamou de paragens tranquilas. Podemos dizer, portanto, que a Amazônia necessita se firmar como uma paragem tranqüila.
Não queremos ser apenas um mero tema, devemos conquistar o direito de ser o palco de discussões e decisões. Recentemente foi iniciada a digitalização dos processos da Justiça Federal. E o Amazonas foi o primeiro Estado a migrar um processo digitalizado para a central em Brasília.
Daqui de parte desse território, através da Justiça Federal, são expostas e julgadas as mais profundas e dolorosas feridas regionais, que vão desde a grilagem imoral de terras à exploração de populações indígenas. Merecemos o Tribunal Regional Federal do Norte. Definitivamente, o Norte é capaz de julgar seu próprio destino.
*A autora é Juíza Federal, mestre em Direito Público (UFPE) e doutoranda em Biotecnologia (UFAM).
A “Sinfonieta de Manaus” faz seu primeiro concerto oficial, Hoje, 4, às 19h30 com entrada franca.
Formada por jovens músicos, a Sinfonieta de Manaus foi um grupo idealizado pelo Maestro Sandino Hohagen em parceria com músicos remanescentes da antiga Orquestra Sinfônica de Manaus (OSM) que tem um caráter autônomo, educacional e profissionalizante.
O concerto, que começa às 19h30, no Espaço Cultural Tiago de Melo, na Saraiva MegaStore, terá a regência do maestro Benjamin Sandino Hohagen e marcará na cidade o início das homenagens ao compositor Frédéric Chopin(1810 – 1849), que completa seu bicentenário de nascimento em 2010.
Argumentação muito inteligente feita pela Dra. Jaiza Fraxe.
Está na hora de começarmos a conscientizar nossos políticos na necessidade de celerizarmos às decisões sobre o gigantesco Norte Brasileiro. Acho que a pedra fundamental dessa luta está lançada pelo belíssimo artigo da Dra. JAIZA FRAXE.
Li este artigo da eminente magistrada e de cara concordei com seus irrefutáveis argumentos, a respeito, não só da necessidade da implantação deste tribunal mas sobretudo pelo desequilibrio que há entre as diversas regiões atualmente muito bem servidas pela corte federal e a Amazonia com suas historicas distancias geograficas e de acesso à justiça.Parabéns à Doutora Jaiza. Alias sua discrição e a seriedade com que julga dão à causa que defende a dimensão necessária para ganharmos esta causa.