As doações para o pagamento das multas fixadas pela Justiça aos condenados pelo mensalão suscitam, direta ou indiretamente, grandes controvérsias.
A primeira delas decorre da própria existência de multa como pena acessória da privação da liberdade.
Parece excessivo impor uma perda patrimonial a um condenado, no âmbito penal, quando o patrimônio tem origem lícita. Quando cabíveis, em relação aos mesmos fatos, as ações civis e o processo tributário já cuidam de reparações patrimoniais, inclusive com multas.
Essa extravagância torna-se mais grave quando o condenado não dispõe de patrimônio capaz de prover o pagamento da multa, sabendo-se, também, que terá inexpressiva renda laboral, se estiver privado da liberdade.
A verdade, contudo, é que esse anacronismo persiste na legislação penal brasileira e foi com base nela que foram aplicadas as multas.
Sem qualquer juízo de valor sobre a motivação dos doadores e admitindo como lícita a origem dos recursos (caso não seja, a questão é grave), o pagamento das multas por doações não encerra a questão.
A legislação tributária federal prevê a incidência de ganho de capital nas doações de bens somente quando o donatário optar por declará-los com valor superior àquele constante da declaração do doador. Caso contrário, a incidência fica diferida para o momento da alienação. Por óbvio, não há que se cogitar de incidência de ganho de capital nas doações em dinheiro, sendo, entretanto, obrigatória sua discriminação na declaração de renda.
O adequado tratamento dispensado pela lei federal às doações em dinheiro não elide, contudo, a incidência do imposto sobre a transmissão causa mortis e doações (ITCD), de competência estadual, com concepção muito peculiar: o contribuinte é o donatário, com responsabilidade solidária do doador; já o ente tributante é o Estado do domicílio fiscal do doador.
A tributação das doações em dinheiro pelos Estados é em si uma perversão: estimula a omissão, ainda que indevida, das doações nas declarações de imposto de renda, e propicia elisão fiscal, de licitude discutível (por exemplo, pagamento de despesas de outrem, concessão de empréstimos). Além disso, se inexistirem limites razoáveis de isenção findará incidindo até sobre modestos atos de caridade.
Essa perversão, contudo, tem amparo constitucional. Por conseguinte, as doações feitas para pagamento das multas no mensalão estão sujeitas à incidência do ITCD, à alíquota genérica de 4%.
Portanto, os condenados, que receberam doações, deverão recolher o imposto em conformidade com a legislação do Estado onde cada doador tem domicílio fiscal.
No Distrito Federal, afora isso, se defrontarão com uma bizarrice administrativa, que consiste em requerer, na repartição fiscal, a emissão do documento de arrecadação.
Se não recolhido, no prazo legal, o imposto deverá ser lançado de ofício pelo Fisco, sob pena de prevaricação da autoridade fiscal. A partir daí tem curso o processo de cobrança do devedor, com os desdobramentos que podem culminar com a execução fiscal.
Não tendo, porém, recursos para pagar a multa, como o condenado irá quitar o imposto? Começaria, então, um novo ciclo de doações?
De resto, cabem outras reflexões. Alguém ao fazer uma doação com a finalidade específica de reduzir ou eliminar a multa não estaria modificando pena acessória em condenação penal? Se fosse possível a doação, a multa não passaria a ter finalidade meramente arrecadatória, convertendo-se em exótica espécie tributária? Analogamente, poderia alguém cumprir, em lugar do condenado, parte da pena de privação de liberdade?
O julgamento do mensalão é um exemplar episódio da história republicana, à parte desprezíveis sentimentos de regozijo com o infortúnio alheio (schadenfreude, em alemão) ou pretensões de politizar o que decorre tão somente da competência constitucional da Justiça.
O novelo kafkiano descrito, entretanto, merece ser revisto. Caso contrário, remanescerá essa enorme falta de razão. Até lá, contudo, cumpra-se a lei vigente.