Por Denise Coelho
O novo Coronavírus (Covid-19) surpreendeu a todos e tivemos que reformular em poucos meses a estrutura econômica, relacional e laboral da sociedade, mas como ficam as eleições municipais no Brasil, previstas para acontecer em outubro de 2020 e a possibilidade de adiamento, frente as incertezas da pandemia.
Por um lado, temos a preocupação quanto a necessidade de adiamento das eleições municipais, tendo em vistas os impactos que a pandemia já causou e os que ainda poderá causar e noutro, há o princípio da anualidade eleitoral previsto no art. 16 da Carta Magna.
Tanto no Brasil, quanto em todo o mundo, o flagelo da Covid-19 trouxe modificações radicais e abruptas para a vida de todos, ensejando a reinvenção dos hábitos, das relações sociais e laboral, conforme orientações de profissionais de saúde e autoridades governamentais, com o objetivo de preservar e salvar vidas.
Atualmente, os dados sobre a propagação e contaminação da Covid-19 são um tanto quanto inconclusivos, de forma que o quantitativo de casos detectados e mortes se torna um suporte fático específico e apto a conferir o espectro de incidência da doença e sua gravidade.
Porém, apesar dos números, o adiamento das eleições municipais não é uma conta simples de se realizar, ainda mais ao analisarmos individualmente a situação de cada um dos 5.570 municípios brasileiros.
Em antagonismo a pandemia e seus impactos, temos previsto no calendário brasileiro, a Festa da Democracia, como é comumente conhecida as Eleições, que possui uma característica típica de qualquer festa: a aglomeração, contato próximo entre os cidadãos e que por vezes ocorrem em lugares apertados e fechados (como as pequenas sessões eleitorais).
Partindo dessa contextualização, que popularmente no processo eleitoral ocorrem aglomerações, é imperioso balancear o atual momento pandêmico vivido por todos, com a manifestação democrática, exercida em sua essência, principalmente no dia da eleição, quando milhões de cidadãos comparecem aos seus colégios eleitorais para usufruírem seu direito constitucional ao voto e escolher seus representantes.
No âmbito jurídico, também podemos apontar impactos do atual surto pandêmico, principalmente nos ritos, prazos e calendários presentes na Legislação Eleitoral, que necessitam de revisão para se acomodarem a situação pandêmica, em especial, as convenções partidárias, registro de candidatos, o julgamento de contas, diplomação e posse.
Destacado inclusive, a incerteza quanto à possibilidade de aplicação do prazo insculpido no art. 29, II, da CF/88, que estabelece para os cargos de prefeitos e vereadores eleições de quatro em quatro anos, sempre no primeiro domingo de outubro e ainda se houver segundo turno, ocorrerá no último domingo do mesmo mês.
A anuência que é necessário preservar os direitos constitucionais, perante a pandemia do novo Coronavírus é absoluta, de forma que o casuísmo ao quebrar a normalidade do processo eleitoral, com a Emenda Constitucional que alteraria a data das eleições de 2020, seria para evitar o contágio da Covid-19 e consequentemente preservar o direito também constitucional à saúde dos cidadãos, mas deve igualmente resguardar a normalidade constitucional e legal do processo eleitoral.
Nesse contexto, excepcional que alteraria o dia de votação, acarretaria uma interferência direta em todo o calendário eleitoral, que é concebido como base na data da eleição, devendo ser revisado, atentando as peculiaridades de cada evento.
Em contraponto, devemos atentar à Constituição Federal de 1988 (CF/88), conhecida como Constituição Cidadã, que prevê em seu corpo, garantias as liberdades civis, os deveres do Estado e mais em particular, o Princípio da Anualidade Eleitoral, previsto no art. 16 da Carta Magna, que objetiva impedir modificações abruptas e casuísticas que possam atrapalhar a paridade de armas.
Em tese, apesar de não estarmos em tempos ditos como “normais”, que poderiam talvez, preencher pressupostos e requisitos que justifiquem o adiamento das eleições, ainda haveria o impeditivo do Princípio da Anualidade Eleitoral, além do risco de abalar pilares constitucionais indeléveis, tais como a soberania popular, o processo democrático e ainda a segurança jurídica, além de fragilizar as instituições democráticas.
Por conseguinte, após a breve exposição do contexto social e jurídico, o eventual adiamento do escrutínio popular só seria possível com a aprovação de um Projeto de Emenda a Constitucional – PEC, com todas as suas características de um processo legislativo, pertinente à espécie.
Contudo, o supracitado dispositivo constitucional, foi entendido pelo Superior Tribunal Federal como cláusula pétrea, pois trata-se de um direito individual do eleitor, com objetivo de garantir que as mudanças na legislação eleitoral têm validade apenas se realizadas um ano antes de determinado pleito, evitando assim, mudança que porventura possam beneficiar interesses individuais, equalizando sufrágio e salvaguardando a segurança jurídica.
É importante destacarmos aqui, que por um longo período da história do Brasil, a maioria dos cidadãos não tinha o direito de escolher quem os representaria e apenas com novel democracia brasileira, promulgada pela Constituição de Federal de 1988 e que perdura há apenas trinta e dois anos, que foi instituído o direito voto direto e universal para que os cidadãos, sendo esta, uma grande conquista de nossa sociedade, advinda da luta de milhares de brasileiros.
Todavia, as interrogações transpassam as questões constitucionais e temporais, recaindo em diversos outros aspectos jurídicos que devem ser analisados, tais como os impedimentos de candidatos por estarem inelegíveis que poderiam ser beneficiados pela mudança e consequentemente estarem aptos para postular um mandato e os registros de candidaturas julgados pela Justiça Eleitoral, terão seus prazos prorrogados ou irão acompanhar o calendário existente.
Entretanto, apesar da problemática apresentada e de seus complexos obstáculos, no momento atual por se tratar de um caso fortuito ou de força maior, observa-se cada vez mais pertinente, a insólita mudança no regramento eleitoral, flexibilizando tanto o calendário eleitoral e quanto o Princípio da Anualidade Eleitoral.
Por fim, as mais distintas manifestações com interesses tópicos e voluntaristas que emergem, originando os mais variados debates e indagações naturais do sistema jurídico periférico, devem ser apreciadas com muita sobriedade e maturação, para então se decidir sobre a querela apresentada, principalmente neste momento complexo do ponto de vista social, político e econômico.