(*) – Por Ismael Benigno.
No apagar das luzes de 2009, o então prefeito Amazonino Mendes nomeou 63 pessoas para receberem pela folha de pagamento da Prefeitura de Manaus – portanto, eu e você. Algumas delas nunca trabalharam na vida. Filhos, namorados, sobrinhos e irmãos de vereadores de Manaus, membros da base aliada do prefeito. Uma mocinha com nome de pobre – que nunca trabalhou na vida, mas tem 10 anos de carreira no serviço público –, era uma delas. Imagino que, depois do asteroide que vai nos extinguir daqui a quatro bilhões de anos, a mocinha vai continuar viva e, quando começar a reconstrução do mundo, seu nome, seu CPF e seu RG vão chegar num papelzinho à mesa dos empreiteiros alienígenas que vão ocupar o planeta.
A nomeação ocorreu três dias antes de a Câmara Municipal aprovar a lei que criava a Taxa do Lixo. Na internet, horas depois, um analista numa multinacional tuitou: “Devíamos estampar os nomes desses vereadores num outdoor, só de sacanagem!”. Os vereadores, claro, se esquivavam da imprensa e evitavam o assunto. A mensagem na internet virou um rastilho de pólvora e, duas horas depois, dezenas de internautas já se escalavam para fazer a cota que pagaria a confecção do outdoor.
Designers rapidamente fizeram a arte, profissionais liberais organizaram a arrecadação. Administradores, médicos, fisioterapeutas, jornalistas, analistas de TI, advogados e estudantes participaram da divulgação dos rostos dos vereadores. Um projeto de lei que extinguia o mercado de outdoors da cidade, que tramitava na Câmara, servira para que empresários do setor fossem pressionados a não veicular o anúncio. Os jornais Dez Minutos e Diário do Amazonas, além do site Manaus de Olho, criado na esteira do protesto, foram os únicos a expor como haviam votado nossos vereadores. No mês seguinte começava uma longa campanha de perseguição a alguns dos membros daquele grupo, eu incluído.
Hoje o Tribunal de Justiça decretou a inconstitucionalidade da lei que criou a Taxa do Lixo. Três anos depois daquele tweet e sem que a cobrança da taxa tivesse começado. Amazonino não é mais o prefeito de Manaus. Nesse tempo tudo mudou. As tragédias pessoais, a perseguição e as lágrimas ficaram para trás. A decepção com amigos, com a imprensa, com os órgãos públicos e com as autoridades marcaram presença. Mudaram os endereços, as idades, as ocupações, as pautas e as prioridades de cada um. Crescemos muito, aprendemos muito, passamos a escolher causas, defender ideais mas, acima de tudo, a cuidar das nossas famílias e das nossas vidas – que mudaram mais do que tudo.
Só não mudou a mocinha com nome de pobre, que hoje continua recebendo sem trabalhar em algum órgão público. Essa nunca trabalhou na vida, mas tem mais horas de folha do que urubu de voo.
Parabéns a todos os que questionaram a criação da Taxa do Lixo, com o merecido registro para os deputados Marcelo Ramos (PSB), que fez hoje de manhã a sustentação oral da ação, Zé Ricardo (PT) e os vereadores Elias Emanuel (PSB), Joaquim Lucena (PSB) e Ademar Bandeira (PT).