No curso da história brasileira, poucas pessoas chegaram à Presidência da República com tão escassas informações sobre suas habilidades políticas e administrativas quanto Dilma Roussef. Como reagirá a nova Presidente ante as inevitáveis crises? Terá estilo próprio ou será tutelada pelo Presidente Lula? Nada se sabe.
Ressalvada a cota pessoal da Presidente, a escolha dos 37 ministros pautou-se conforme os caóticos ritos do nosso curioso presidencialismo. Resultou de meras indicações de partidos e facções partidárias, eventualmente de governadores, sem o mais remoto sinal de orientação programática. Nesse cenário sobressaiu-se um inédito crivo do Presidente que sai. Coordenar essa equipe não será tarefa fácil.
No contexto das boas escolhas, algumas merecem destaque: o Ministro Antônio Palocci, Alexandre Tombini, Presidente do Banco Central, e Carlos Alberto Barreto, Secretário da Receita Federal.
Palocci é a garantia de bom senso, conhecimento e experiência. Será um filtro contra ideias mirabolantes. Exercerá sua missão com equilíbrio e realismo. Em relação à reforma tributária, por exemplo, certamente irá desestimular proposições grandiloquentes, preferindo abonar propostas pragmáticas.
Tombini é um técnico preparado e probo. Terá a dificílima tarefa de encontrar uma saída para a armadilha do câmbio, que está comprometendo gravemente nossas exportações e gerando um sério processo de desindustrialização.
Barreto, com as mesmas qualidades de Tombini, terá a missão de resgatar a credibilidade da Receita, abalada em virtude dos vazamentos de informações sigilosas, e de superar o clima de conflagração entre as categorias profissionais daquele órgão. Precisa, também, resgatar a capacidade de formular políticas fiscais pela própria Receita, indevidamente subtraída após a gestão do Secretário Jorge Rachid. Sem essas iniciativas, será quase muito difícil assegurar crescente melhoria na qualidade da administração tributária.
No campo das políticas públicas, a Presidente Dilma defrontar-se-á com um alentado cardápio de problemas. É verdade que nos últimos oito anos o País cresceu, houve redução do desemprego e melhorou a distribuição de renda. Esse desempenho foi fruto da boa herança do governo Fernando Henrique, das excepcionais condições da economia internacional e da disposição do Presidente Lula de preservar aquela herança e ousar nos programas sociais.
As circunstâncias tanto quanto os resultados, portanto, foram excepcionais. É ilusório, todavia, pensar que desenvolvimento fundado apenas em consumo, expansão de crédito e transferências de renda possa ser duradouro. É modelo eleitoralmente produtivo, mas economicamente débil. Sua vulnerabilidade é de tal ordem que “marolinhas”, no cenário internacional, podem simplesmente reduzi-lo a pó, com dramáticas consequências sociais, conforme evidenciam as sucessivas crises econômicas contemporâneas.
Eventuais ganhos decorrentes da exploração do pré-sal, se bem orientados, podem significar um grande passo em direção a um novo patamar de desenvolvimento. É imperioso prosseguir no esforço para reunir condições tecnológicas e financeiras para dar curso à exploração. Não esqueçamos, entretanto, que tudo isso, por ora, é mera expectativa.
O governo Lula não se animou a fazer reformas que implicassem custo político. Nosso modelo previdenciário é inviável a longo prazo; a legislação trabalhista é fator impeditivo de superação da informalidade; o sistema orçamentário é uma pantomima que nada planeja ou controla; a política de pessoal da administração pública apenas não existe; a gestão da saúde e educação públicas caminha para falência. O Estado precisa de uma reforma profunda.
Qualquer pretensão de desenvolvimento consistente a longo prazo requer uma política educacional que não se satisfaça com estatísticas descomprometidas com a lamentável qualidade do nosso ensino. Da mesma forma, a sucateada infraestrutura de estradas, portos e aeroportos será sempre uma limitação na persecução de taxas mais ambiciosas de crescimento econômico.
No Brasil, lamentavelmente foi conferida prioridade à expansão dos gastos correntes em desfavor dos investimentos, o que vai exigir indigestos programas de austeridade fiscal, sob pena de ficarmos reféns do dilema juros altos ou inflação.
Pessoas que conhecem, de perto e de longa data, a nova Presidente asseguram que não será o nono ano do governo Lula, mas o primeiro do governo Dilma. Seja qual o for o significado dessa expressão, a verdade é que o enigma Dilma só será decifrado por ela própria. Esperamos que seja um bom governo.