O dilema da democracia brasileira

Por Marilza de Melo Foucher: 

Outro grande erro do PT foi o de ter abandonado a educação politica concernente a construção da cidadania, isto é valido para toda a esquerda brasileira

“A democracia é a grande lei do futuro, não só porque ela realiza apenas o direito do homem, de todos os homens, mas, porque ela tende à adquirir o bem dos homens, de todos os homens.” Jean Jaures

A república democrática brasileira se encontra em perigo de instabilidade política. Em primeiro lugar devido a fragilidade da composição da maioria parlamentar que mantém uma cultura de mercantilização do poder, do qual germinam varias formas de corrupções. Em segundo, pela mistura perigosa de religião e politica, que altera os princípios da laicidade republicana. Em terceiro lugar, porque os grandes meios de comunicação exercem o papel de quasi-partidos. O mundo mediático, a internet e algumas redes sociais não podem ser utilizados como instrumentos de denigrimento politico. Infelizmente, a televisão, principalmente das organizações Globo, tem contribuído decisivamente para desgastar e confundir as instituições políticas, bem como para esvaziar a política do seu ideal e senso comum, convertendo-a em uma caricatura, um espetáculo dentre outros, banalizando-a, privando-a de sua substância. A mídia televisiva vem sendo um instrumento de propaganda para internalizar o individualismo. Ela busca despolitizar o quotidiano e a própria politica.

Existem outras maneiras de fazer oposição ao governo e ao PT e de tecer criticas construtivas explorando suas contradições. Todavia, nada justifica a propagação do ódio, e o emprego de métodos fascistas para eliminar um partido da cena politica.

A direita brasileira e os setores mais conservadores da sociedade, sempre tiveram apoio dos aliados mediáticos. Ultimamente, isso vem lhes conferindo um poder estratégico na difusão de suas ideias. A TV é onipresente no Brasil e por ser um meio de comunicação tão atraente e popular acaba por interferir no modo de pensar, agir e se relacionar com o mundo.

Ela está presente em todos os cantos, lares, bares, cabeleireiros, aeroportos, restaurantes, e está ligada dia e noite, entretendo, distraindo e deseducando as pessoas. As organizações Globo, por exemplo, serviram de instrumento de propaganda durante a ditadura brasileira. O paradoxo é que hoje defendem a liberdade de expressão, nao questionam a concentraçao de seu poder. Para elas a liberdade de expressão deve ficar confinada no espaço que ocupam. São opositoras ferrenhas da democratização e da pluralidade dos meios de comunicação no Brasil.

Além do apoio à ditadura, as organizações Globo aderiram aos interesses da governança mundial criada num primeiro momento para expandir a ideologia neoliberal. Durante muitos anos essa ideologia pôs em pratica as chamadas politicas de reajuste estrutural que fragilizaram o Estado democrático na América Latina. Os adeptos dos setores do mercado sempre expressaram sua alergia ao Estado Protetor, este deveria ceder sua soberania para se adaptar a nova realidade da economia global.

No Brasil os governos de centro-esquerda tentaram resgatar o papel do Estado como regulador econômico e social, porém foram logo acusados de assistencialistas,  pelo simples fato de fazer uso de politicas publicas de inclusão social destinada à maioria da população pobre e miserável.  Estas passam a ser estigmatizadas, e o racismo contra negros e índios só fez aumentar nesses ultimos anos, principalmente em periodo de eleições. Há muito tempo que a oposição conservadora e o quasi-partido Globo apostam no desgaste das politicas de desenvolvimento com inclusão social. A campanha de rebaixamento do nível politico e da situação econômica do Brasil desde que Lula e Dilma chegaram ao poder é notória.

De tanta propaganda, a grande mídia, com a potência de seus meios de comunicação, conseguiu que o neoliberalismo fosse interiorizado. Por isso, precisamos não só de uma reforma do sistema político, mas também de uma reforma intelectual e moral. Lutar contra o neoliberalismo, não é simplesmente agir contra as grandes potências, contra o mundo das finanças e da especulação capitalista, mas também contra a propagação disseminada presente de suas ideias. Vale relembrar uma das frases de Gramsci que dizia: “Ser alienado é ter ideias de seu adversário na cabeça”.

A despolitização é a maior ameaça para a democracia

Hoje existe uma despolitização crescente junto a uma grande parcela da populaçao brasileira e uma desconfiança quase total do poder executivo e legislativo, poderiamos dizer até do judiciário.

Se parte do povo brasileiro desistiu da politica, o espaço da convivência do saber viver fraternalmente se encontra ameaçado. Uma sociedade que se diz verdadeiramente democrática é aquela em que seus membros são todos solidários e interdependentes, ligados por um compromisso comum com base em uma igualdade política.

Infelizmente, a cidadania ativa, nascida em debates da pos-ditadura brasileira, está sendo negada pelo Congresso, que rejeita todo projeto de participação social. A cidadania politica confere aos individuos, não somente direitos e deveres, ela também revigora e desmistifica o poder político como um único pólo da tomada de decisão. O poder é e deve continuar a ser uma ferramenta para servir o povo que age e é controlado por ele e para ele. A participação social traz o poder para a sua função reguladora tendo em vista que a democracia representativa não têm a soberania absoluta.

O mais aberrante na democracia “à la brasileira” é que os partidos politicos na sua maioria não conseguem conectar o interesse individual e interesse público, atuam mais como facções e estão prestes a se apropriar do interesse público para satisfazer interesses privados e substituir um pelo outro. A Política no lugar de ser a livre associação de cidadãos para gerir e organizar a vida na cidade, tende a se resumir a um espetáculo de batalhas mesquinhas entre políticos carreiristas. O Congresso não é uma lista de delegados individuais, mas um corpo coletivo de representantes, ou seja, cidadãos com diferenças ideológicas / alianças que participam em conjunto na tomada de decisões públicas. A democracia brasileira nao pode ser sinônimo de incerteza, mecanismo de amplificação do sentimento de insegurança, quando as coisas dão errado, promessa de um futuro social incerto. Ao se desacreditar a politica, novos credos se projetam inclusive na defesa de um sistema mais autoritário.

Os que se apresentam, hoje, como defensores da moral publica nunca tiveram nenhum sentimento patriotico com relaçao a soberania dos interesses da economia basileira. Nem tao pouco podem negar que fizeram uso de métodos corruptos para se reeleger.

Logicamente, não podemos isentar o Partido dos Trabalhadores de suas responsabilidades quanto ao descrédito politico hoje no Brasil. A degeneração ética da politica brasileira vem de muitas décadas, por isso mesmo é inaceitavel que alguns membros do PT, tenham terminado se adaptando à lógica corrupta da democracia representativa brasileira.  Um dos maiores erros do PT e de seus governos foi não realizar a reforma politica, sua direção se encastelou no poder e esqueceu de sua base militante. Vale ressaltar que os movimentos sociais que receberam formação politica nunca serão instrumentalizados e nem tão pouco servirão de garantia aos desvios políticos e filosóficos do PT e nem dar aval político às ultimas medidas do poder executivo. Ninguém nega os avanços das conquistas sociais nos governos de Lula e Dilma. Todavia, para os militantes e simpatizantes proximos da esquerda seria impossivel aceitar a guinada da Presidente Dilma à direita volver! A governabilidade nao pode ser refém do mercado. As organizaçoes sociais que tiveram formaçao politica, as pessoas mais politizadas sabem que o neoliberalismo quebra a correlaçao de forças por meio do desemprego. A volta de uma politica de ajustes fiscais vai penalizar os menos favorecidos.

Outro grande erro do PT foi o de ter abandonado a educação politica concernente a construção da cidadania, isto é valido para toda a esquerda brasileira. Além de outras reformas solicitadas pela sociedade civil organizada que nunca saiu do papel e do blá, blá, blá das boas intenções. Exemplos: a reforma sobre a pluralidade dos meios de comunicaçao e a reforma fiscal. O PT nao pode abandonar seu papel de protagonista e de portador de esperanças em transformações sociais construído duramente nas últimas décadas. Ou ele faz sua mea-culpa e reata os laços de proximidade com a sua base, com os movimentos sociais, sindicatos, com o mundo intelectual, ou ele constrói seu próprio túmulo político.

Ninguém pode negar que o inicio do governo “Dilma 2” foi desastroso. Mas, seria muita hipocrisia acreditar que a direita e a grande mídia estejam atacando frontalmente a Presidente Dilma por não ter cumprido com suas promessas de campanha. Alguns a acusam de estelionato eleitoral, mas seria um desvario imaginar que a direita quer que Dilma governe a esquerda cumprindo com as promessas eleitorais! O governo Dilma foi eleito com propostas de esquerda, entretanto, terminou caindo na armadilha da restauração conservadora que ha anos esta em marcha no Brasil. A indicaçao de Katia Abreu e do senhor Levy, além do silêncio da Presidenta Dilma sobre a justificativa dessas escolhas geraram certo desconforto em sua base política e surpreendeu a própria direita. Conciliar os contrários sempre levou a esquerda para a derrota!