Professora Deise Anne Rocha de Oliveira:
AVISOS: Se você espera um texto curto, pare logo aqui e vá ler a Turma da Mônica.
Se você espera um texto de alguém que vai “descer a lenha” no Bolsa Família, pare logo aqui também.
Se você espera um texto de alguém que vai defender o Bolsa Família, pare porque também não vai ser isso.
Não sou PT. Não sou Lula. Não sou Dilma. A única coisa que curto é aquela página do facebook da “Dilma Bolada” que cá entre nós é realmente muito engraçada.
Tenho uma relação de amor e ódio com o Programa Bolsa Família. Tem dias que o amo. Tem dias que o odeio.
Essa semana o PBF que estava relativamente adormecido pela opinião pública, voltou a ser alvo de debates calorosos na mídia e nas redes sociais (que atualmente é o lugar mais interessante para se observar a opinião de gente comum, feito eu e você). Tudo porque foram espalhados dois boatos:
1. O programa iria acabar para a tristeza e revolta dos beneficiados.
2. A tia Dilma tinha liberado um bônus extra de aproximadamente 200 reais para o dia das mães. PRONTO! Foi babado, confusão, gritaria e quebra-quebra.
Estava em casa comendo meu pãozinho brothers junto com iogurte nestlé grego deitada na cama quando vi a notícia no jornal, na hora tive aquela relação de ódio com o programa, fiquei revoltada quando vi a reação dos beneficiados, o povo fazendo aquele auê, escândalo, quebrando as agências da Caixa e no empurra-empurra.
Eu, classe média que sou, pensei como a jornalista famosa que dá opinião sobre o carnaval:
“E se a bolsa, de fato, acabasse?
E se o poço, simplesmente, secasse?
O que seria desses milhões sem educação, sem emprego, sem profissionalização, totalmente dependentes do poder público?
O Governo diz que milhões saíram da pobreza extrema, mas que paradoxo! Esses mesmos milhões ainda dependem de ajudas sociais para sobreviver. (…) Não se sai da pobreza sem trabalho, sem salário, sem ganhar, com o suor do rosto, o pão de cada dia.
Assistência tem que ser provisória, senão vira dependência, senão gera parasitismo…”
No dia que saiu a notícia, a Sherazade ainda não tinha dado a sua opinião, mas ela tirou as palavras da minha boca, pensei igualzinho.
(Quem quiser ver a opinião da jornalista na íntegra o link é esse: http://www.pbagora.com.br/conteudo.php?id=20130521093025&cat=brasil&keys=bolsa-familia-jornalista-beneficio-causa-dependencia ).
Aí pronto! No mesmo dia foi aquela comoção nas redes sociais, a galera dando a sua opinião, de um lado gente dizendo que o Bolsa Família não passa de uma esmola, uma forma de comprar votos, que a classe média sustenta os mais pobres através do benefício. E muitos, dizendo “não se pode dar o jaraqui já frito, tem que ensinar o povo a pescar”. Do outro lado, gente rebatendo com a famosa frase “quem tem fome, tem pressa”, “a fome dói” e blábláblá.
Eu mesma fiz um post no facebook enquanto comia meu pãozinho alertando para o fato do PBF não ter “portas de saída”, as famílias só entram sem ter data para sair e que isso é preocupante.
Pois bem, horas depois comecei a pensar mais profundamente sobre a questão e tudo que já havia estudado. Me botei no lugar daquelas pessoas e pensei: “putz, se a Dilma dissesse que tinha um bônus de 200 reais no meu salário, mas tinha que sacar até hoje em Manaus, eu ia sambando a BR 174 todinha de Presidente Figueiredo até lá, só pra sacar essa graninha extra…”
Aposto, que vocês também! TODO MUNDO GOSTA DE DINHEIRO! TODO MUNDO PRECISA DE DINHEIRO! TODA RENDA EXTRA É BEM VINDA! Então para e pensa um pouco, quantas vezes você já não fez algum sacrifício para obter uma renda extra? O “sacrifício” o qual me reporto aqui é o exemplo da entrevista de uma beneficiada que disse ter viajado não sei quantos quilômetros pra sacar esse bônus do dia das mães.
Passado alguns dias, veio o outro “boom” do vídeo da senhorinha que estava reclamando porque o dinheiro dado pelo PBF não era suficiente pra comprar uma mísera calça de 300 reais para a filha adolescente. Pronto! Mais uma vez senti ÓDIO do Programa Bolsa Família. Pensei: “Caraca! Que povo mal acostumado, preguiçoso! Vão trabalhar, poxa! Vocês tem saúde! Agora ficam reclamando porque o governo não dá dinheiro suficiente pra sustentar luxo?! Esse benefício é só pra aliviar a extrema pobreza, caramba!”
Meu sonho é viajar para a Croácia desde que vi no Globo Repórter, mas nem por isso fico reclamando porque não existe um “BOLSA VIAGEM” para pobres professoras universitárias classe média, visto que precisamos ter conhecimento profundo sobre culturas, gastronomia e a economia de vários países para compartilharmos nosso conhecimento em sala de aula. Cof, cof…
Fui criticada por pensar assim. Afinal, todos tem direito de sonhar, inclusive a senhorinha que deseja apenas uma calça de 300 reais para sua filha, dessa forma, a menina poderia ser inserida na sociedade e se sentir igual aos outros e blá blá blá.
Vocês tem razão.
Todos temos o direito de sonhar e somos livres para correr atrás dos nossos sonhos, batalhar por eles. O Estado precisa nos dar condições básicas de vida para corrermos atrás disso, talvez a senhorinha da calça de 300 reais só tenha que refazer o discurso dela e reivindicar saúde, educação, asfalto na rua dela e emprego, ao invés de reclamar que o benefício do PBF é insuficiente. (Pra quem ainda não viu o vídeo da senhorinha, segue o link: http://www.youtube.com/watch?v=cuFH4E4SLmI).
O buraco é mais embaixo.
O PROBLEMA NÃO É O PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA. Sabe por quê?
O Programa Bolsa Família é “FANTÁSTICO! Pã!” Sim, é sim! No papel ele é LINDO! Quando li a Lei N. 10.836 e o Decreto N. 5.209 que criam e regulamentam o Programa pela primeira vez, eu quase chorei. Sério. O programa é muito bonito.
Quem o criou PENSOU em absolutamente TUDO (menos nas portas de saída), pensou até no que vocês reclamam sobre o PBF, sabiam?
Aliás, tenho minhas dúvidas se foi o Lula mesmo que criou tudo, porque se foi, eu queria ter a oportunidade de um dia tomar uma cachaça de uva com ele, pra me contar direitinho de onde teve esse insight de unir todos os programas em um só… Mas, ainda acho que uma equipe técnica muito boa foi quem pensou em cada detalhe do Programa.
Quem reclama que o PBF já dá o peixe frito sem ensinar a pescar, está errado, porque nas famílias que tem adolescentes entre 16 e 17 anos, eles precisam fazer cursos profissionalizantes para poder receber o benefício variável.
Além disso, o PBF não dá a graninha totalmente de bandeja, as famílias precisam cumprir condicionalidades relacionadas à saúde e educação. O curumim precisa estar com o cartão de vacinação em dia. E a cunhantã tem que frequentar a escola bonitinho, senão, adeus benefício.
Cara, agora pensa nisso a longo prazo?! Ajudaria a reduzir a mortalidade infantil, e promoveria o desenvolvimento dessas famílias através da educação, além do alívio imediato daqueles que tem fome!
E fome dói. Ah deve doer e doer muito. Nunca senti fome de verdade. Só quando tentei fazer regime. Aliás, a nossa revolta e comoção de classe média com a situação do quebra-quebra chega até a ser meio ridícula, visto que a nossa preocupação diária relacionada a comida é porque tem muito sódio ou porque nosso leitinho de cada dia está sendo adulterado, mas querendo ou não a nossa comidinha tá todo dia na nossa barriguinha para a nossa alegria!
“Ah Deise, então quer dizer que você tá defendendo o PBF? Li tudo isso até agora pra você me convencer de que o programa é maravilhoso?”
Não. Não é! O programa nos moldes atuais precisa ser revisto. Na prática ele precisa ser avaliado e melhor fiscalizado. Em 10 anos de programa, já dá pra saber se o mesmo está cumprindo ou não as suas metas.
Como falei pra vocês, tenho raiva de certas situações que surgem nele como a da mulher do vereador que recebia o benefício (http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=1172327 ). Ou a história da família que já está na segunda geração do programa, a mãe recebia, a filha ficou adolescente, teve os próprios filhos e também recebe o benefício. Em casos como esse, sinceramente, para mim a família NÃO alcançou independência e desenvolvimento. (http://oglobo.globo.com/pais/bolsa-familia-completa-10-anos-ja-chega-segunda-geracao-8295415#ixzz2U3mBEwsr )
Além disso, o programa clama por PORTAS DE SAÍDA. As famílias precisam ter data para entrar e sair do PBF. E não me venham com essa de que 1,69 milhões saíram voluntariamente porque isso é pouco, visto que o programa tem dez anos, e o próprio governo não sabe ao certo quantas dessas famílias até já retornaram para o programa, porque elas podem voltar! E o programa atende hoje por volta de 13 milhões de famílias, quase 50 milhões de beneficiados.
Apesar de os gastos com o Bolsa Família representarem apenas 0,38% do PIB e apenas 3% do total de gastos previdenciários e assistenciais do país, é necessário sim um tempo determinado para essas famílias permanecerem no programa, pois se isso não existir, eu também vou me juntar ao coro de “uma forma de compra de votos disfarçada”, já que a meta é as famílias se tornarem independentes, por que então torna-las dependentes para sempre do programa? Ou esperar que elas saíam por “vontade própria”? Meio estranho não?!
Fora que meu pai sempre diz “minha filha, se você tirar uma gota de um copo cheio de água todos os dias e não repor, um dia esse copo vai secar…”. Então, se famílias são cadastradas todos os dias e entram no programa e raramente uma sai…um dia a fonte pode secar…
Então, não vamos botar a culpa no BOLSA FAMÍLIA em si. O programa é bacana. Foi bem pensado, escrito, amarrado, abrange várias frentes. O problema é o que está ocorrendo na prática. Fraudes. Gente que não precisa e recebe. E gente que precisa MUITO e ainda não foi alcançada porque tá escondida no Ramal da Morena na estrada de Balbina, em uma comunidade que não tem posto de saúde e nem escola.
O problema é quem o administra. E as três esferas o administram: governos federal, estadual e municipal. Todos têm as suas responsabilidades. Fora que precisam disponibilizar SAÚDE e EDUCAÇÃO pras famílias atenderem a essas tais condicionalidades. E tô falando de educação DE VERDADE, não essa que passa os alunos de série só pra ter uma estatística bonita de aprovação anual.
O problema do Bolsa Família somos eu e você. Que não utilizamos os meios de fiscalização para denunciar as fraudes e irregularidades. Tem um email e um 0800 pra isso, sabia? (ouvidoria@mds.gov.br) (0800-707-2003). O programa tem no papel até as Instâncias de Controle Social onde representantes da sociedade civil organizada podem ser conselheiros e fiscalizar as ações da prefeitura em relação ao programa, os cadastros, resultados e etc.
E pra fechar com um bom e velho clichê já que o título do meu pequeno texto tem dois. O problema do Bolsa Família é o nosso voto! Porque votamos errado, botamos gente errada para administrar um programa que tinha tudo pra ser “fantástico, pã” e acaba em fraudes, desvios, compra de votos e uma parte da população se viciando no benefício, ao invés de utilizá-lo como medida provisória.
Porque votamos errado, não tem escola, não tem saúde, não tem asfalto, não tem EMPREGO e tem um monte de gente que precisa do tal benefício pra sair da linha da pobreza…ou até mesmo brigando pra tê-lo pra sempre já que mora em um país de futuro incerto. E nunca se sabe se amanhã eu ou você teremos emprego, profissão.
No mais, eu como professora universitária classe média, prefiro mil vezes que o Bolsa Família exista e que algumas famílias em situação de pobreza extrema com a barriga roncando recebam o benefício do que esse dinheiro ser desviado pra algum filho de deputado comprar um Sonata novo.
Obrigada, você que leu até o final! Ufa!
(*) – Administradora. Economista. Professora Universitária. Classe Média.