Por Hamilton Carvalho – Poder 360
Conceito de aposentadoria será revisto
Mais tempo passa, maior chance de crise
Perguntado sobre como havia falido, o escritor Ernest Hemingway, em frase que se tornou célebre, pontuou: “de duas formas – gradualmente e, então, de repente”.
Observamos o que podemos chamar de princípio Hemingway na quebra de empresas, como recentemente aconteceu com a Sears, ou no estrangulamento de sistemas sociais, como na virtual falência de muitos estados brasileiros.
Sistemas de Previdência pelo mundo também se encaminham para colocar essa dinâmica em prática nas próximas décadas. Em livro que descreve cenários para o mundo até o ano de 2052, o pesquisador norueguês Jørgen Randers aponta os traços gerais da crise previdenciária nos países desenvolvidos.
Tudo começa com um lento acúmulo de dívida pública, causado por déficits recorrentes e gastos crescentes com uma sociedade que envelhece. Os jovens, aos poucos, começam a perceber que herdaram um enorme fardo de dívida pública de seus pais e avós. Por outro lado, encontram mercados de trabalho estagnados, com alto nível de desemprego. Têm dificuldade para financiar suas moradias e percebem que não terão o mesmo padrão de vida da geração anterior. Ao mesmo tempo, espera-se que eles paguem pela aposentadoria de seus pais, por meio de altos tributos.
Assim, cansada de sofrer por anos os efeitos de uma dívida que ela não contraiu e sem perspectivas para desatar os nós do problema, subitamente a população mais jovem se rebela e se recusa a carregar o fardo recebido.
Provavelmente o exemplo mais dramático de colapso de sistema previdenciário foi o acontecido com a Grécia em 2010. Desde então, o país já perdeu um quarto de seu PIB e carrega dívidas imensas para pagar até 2060. A qualidade de vida despencou e seus aposentados enfrentam até hoje cortes profundos e sucessivos nos valores que recebem.
Pior, depois de bater no iceberg, o navio grego, mesmo tendo conseguido reparar seu casco, não consegue religar os motores para sair do lugar. A crise gerou novos círculos viciosos, ilustrando bem o tipo de colapso descrito no cenário de Randers: os mais jovens passaram a buscar em massa empregos em outros países.
Sem dúvida, um estrangulamento da previdência similar ao grego pode acontecer no Brasil, pois a dinâmica aqui é claramente insustentável. Ao mesmo tempo, o país, por meio de suas instituições, tem enorme dificuldade para reconhecer o problema e buscar respostas rápidas para ele. Para continuar na analogia, o iceberg está logo adiante, mas os sistemas de detecção do navio estão em curto.
Não se trata apenas da natural dificuldade de aprendizado coletivo que ocorre com todo problema complexo. A equação do desastre é comporta também por desincentivos políticos, pela existência de grupos de pressão prontos a barrar qualquer tentativa de ajuste, e pela disseminação de narrativas incorretas, mas com forte apelo – como a de que a previdência é superavitária.
Trata-se, acima de tudo, de dois vieses gêmeos: o viés do presente, que tradicionalmente nos leva a ignorar os problemas de longo prazo, e o viés dos presentes, que nos leva a deixar de lado os interesses das gerações que não têm voz (as crianças) ou que ainda não nasceram (isto é, os ausentes).
Ao fingir (até agora) que o problema não existe, estamos levando o sistema a um estado cada vez mais crítico, além de deixar emperrar os motores do crescimento econômico. Quanto mais tempo passa, maior a chance de uma crise; o princípio Hemingway é inexorável em problemas que são mantidos em rota de deterioração.
Enfim, o cenário descrito por Jørgen Randers pode muito bem acontecer por aqui. Em algum momento teremos de rever o conceito de aposentadoria que considerávamos sagrado. Aquele mundo não existe mais.