Por Sandro Vaia
“O dever profissional e ético de todo jornalista é revelar segredos, sobretudo quando isso serve para desmascarar os excessos do poder” (Juan Luis Cebrián, diretor de ‘El País’)
Não passa uma semana sem que algum político de qualquer partido ou algum militante de um auto-intitulado “movimento social” não tente dar um jeito de controlar, ou regular, ou regulamentar, ou de alguma forma atrapalhar ou conter o fluxo natural da liberdade de informação.
O nome mais palatável que inventaram para isso foi “controle social” porque ele contém a palavra mágica que justifica a intenção de exercer a censura sobre conteúdos com o pretexto de um suposto “bem comum”.
A palavra “social”, como se sabe, tem mil e uma utilidades, e pode ser usada como uma espécie de bombril para polir intenções nefastas.
A última tentativa de ataque explícito contra o pleno exercício da liberdade de informação, de resto garantida pela Constituição, está no projeto de lei do deputado Sandro Mabel (PR-GO) aprovado esta semana pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara.
O projeto criminaliza o vazamento de informações sobre investigações que correm sob segredo de Justiça. O relator da proposta, deputado Maurício Quintella Lessa (PR-AL) propõe uma pena de 2 a 4 anos de prisão ou multa ao funcionário que vazar a informação e ao jornalista que a publicar.
Claro que não se pode exigir que o legislador seja obrigado a conhecer a deontologia profissional do jornalista ou os códigos morais que regem qualquer outra profissão. Mas ele tem a obrigação de conhecer o artigo 5 da Constituição, que garante a liberdade de informação.
A proibição de vazamentos de informações sobre processos que correm sob segredo de Justiça pode perfeitamente ser imposto ao agente de Estado que tenha acesso a esse segredo.
Manter esse segredo faz parte de sua tarefa funcional e puni-lo por desrespeitar a regra está dentro da lógica de seu exercício profissional.
Se a informação ultrapassou essa barreira e chegou à mão do jornalista, e se ela efetivamente tiver interesse público, não só será um direito dele publicá-la como um dever do qual não pode fugir, sob pena de cometer uma negligência profissional.
O presidente da OAB, Ophir Cavalcante, foi ao ponto ao comentar o projeto de lei: ele é inconstitucional porque “ao tipificar como crime a divulgação e a conduta de quem divulga essas notícias, estabelece, de forma indireta, a censura”.
Todas as outras entidades, além da OAB, que se manifestaram sobre o assunto, como a ANJ, a Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) e a Transparência Brasil, concordam: se a informação sigilosa de interesse público chegou à mão do jornalista, este tem o dever de publicá-la.
O crime pode ser de quem vaza, nunca de quem publica.
Num país democraticamente mais maduro, esse tipo de proposta não chegaria sequer a ser discutida.
Por isso, a Primeira Emenda da Constituição dos EUA proíbe o Congresso norte-americano de legislar sobre a liberdade de expressão e de imprensa.
Se fosse aqui, alguns legisladores e alguns “movimentos sociais” teriam que arrumar outro brinquedo.
Sandro Vaia é jornalista. Foi repórter, redator e editor do Jornal da Tarde, diretor de Redação da revista Afinal, diretor de Informação da Agência Estado e diretor de Redação de “O Estado de S.Paulo”. É autor do livro “A Ilha Roubada”, (editora Barcarolla) sobre a blogueira cubana Yoani Sanchez. E.mail: svaia@uol.com.br