– “Não haverá casamento”.
Parecia uma praga essa frase cochichada em voz baixa, mas com convicção, pela duquesa Deborah Mitford, de 91 anos, ao pé do ouvido de seu filho, Peregrine Cavendish, que é o atual duque de Devonshire. Ambos aguardavam os noivos, nessa sexta-feira, na Abadia de Westminster. Viram quando, logo depois do príncipe William, chegou num rolls royce a plebeia Kate. Participaram da cerimônia celebrada pelo arcebispo de Canterbury e presenciaram quando ele abençoou o casal declarando-os marido e mulher.
Dessa forma, contrariando a duquesa de Devonshire, o casamento foi consumado na presença de 1.900 celebridades e autoridades do mundo inteiro que lotavam a abadia. Todos os convidados assistiram o príncipe William colocar a aliança no dedo de Kate, com certa dificuldade: “tome esse anelzinho e não diga nada a ninguém”. Inclusive a velha duquesa que também viu tudo com os olhos que a terra brevemente haverá de comer, mas mesmo assim não ficou convencida. Negou contundentemente:
– “Não houve casamento”.
Ela decidiu ocultar um evento vivido por um milhão de pessoas que ocuparam as ruas de Londres e que viram os noivos saindo numa carruagem dirigida por dois cocheiros, antecedida por 180 – eu falei cento e oitenta – cavalos britânicos, bem educados, pois nenhum deles fez cocô como acontece nas paradas militares de 7 de Setembro aqui no Brasil. Durante o trajeto, os súditos foram cumprimentados pelo casal. Todo mundo viu. No entanto, a duquesa Débora de Mitford continuou insistindo:
– “Essas pessoas estão enganadas. Esse casamento nunca existiu”.
Quer dizer, então, que não passou de uma ilusão de ótica aqueles dois beijos trocados na sacada do Palácio de Buckingham, diante de uma multidão entusiasmada? Não existiu o acontecimento transmitido pelos canais de televisão para dois bilhões – eu disse 2.000.000.000 de pessoas? (Repito dados da mídia, mas não tenho qualquer prova, não sei como eles contaram os telespectadores). Se for verdade, um terço da humanidade viu em tempo real o casal, já casadinho, saindo do Palácio num carro Aston Martin, dirigido pelo próprio William, que dispensou o motorista.
– “Isso não prova nada” – resmungou a velha duquesa teimosa, Deborah Mitford, cuja experiência com a mídia está carregada de traumas.
Traumas da mídia
Débora, a caçula de seis irmãs, aprendeu a desconfiar dos jornais antes mesmo de se casar, há muito tempo, com Andrew Cavendish, duque de Devonshire. Na época, os diários sensacionalistas ingleses invadiram sua privacidade e publicaram um montão de fofocas sobre sua vida particular, revelando um ardoroso romance que ela teria tido, nos anos 50, com John Kennedy, antes de ele assumir a presidência dos Estados Unidos.
A duquesa escreveu vários livros – um deles intitulado Wait for me – onde confirma que efetivamente, em 1938, dançou num baile de debutantes com John Kennedy, mas não revela se furunfou ou não com ele. Depois disso, brigou outra vez com a imprensa londrina que a criticou, quando ela restaurou o castelo Chatsworth, da família, uma das mais belas mansões da Inglaterra, e começou a cobrar entrada dos visitantes.
Por isso, Déborah Mitford abomina a mídia e dificilmente se deixaria convencer por notícias de jornais ingleses. E se fossem relatadas por programas de TV e jornais do Brasil, país conhecido pela isenção e objetividade de seus meios de comunicação? Gravaram e levaram para a duquesa ver o programa ‘Mais você’, com Ana Maria Braga dando detalhes sobre o Rolls Royce que levou Kate à abadia. A duquesa e o Louro José ouviram quando Ana Braga, com sua pronúncia britânica, falou em Rolls Horse, inventando assim um novo veículo híbrido, simbiose de carro e carruagem.
“Esse casamento nunca existiu” – insistiu a duquesa Déborah. Foi aí que lhe deram para ler o caderno especial – eu disse caderno especial – da Folha de São Paulo, intitulado Kate & William, editado um dia antes da cerimônia, com representações visuais, infográficos, mapas, fotos e desenhos, no qual havia um generoso espaço para fofocas e até para empinar a Pippa, irmã da Kate.
O londrino The Guardian podia muito bem ter usado o principio da reciprocidade para noticiar o casamento dias antes da minha sobrinha Ana Paula, na igreja São Judas Tadeu, no Parque Dez, em Manaus, cujo chá de panela foi organizado por sua tia Lady Di Lee. Não o fez. Esperava-se pelo menos que a duquesa ficasse convencida com a cobertura jornalística da Folha, que deixou os jornais ingleses no chinelo. Não adiantou.
A Embaixada britânica encaminhou, então, para a duquesa Deborah uma gravação do ‘Bom dia Brasil – Casamento Real’, da TV Globo, com Renato Machado e Renata Vasconcellos. Nos estúdios, ‘especialistas’ convidados ajudavam o telespectador a entender o que acontecia. Gloria Kalil ensina sobre roupas e joias, o embaixador Marcos Azambuja explica o simbolismo da monarquia e até o bispo diocesano da igreja anglicana do Rio, dom Filadelfo Oliveira, dá seus pitacos sobre a cerimônia. A Globo News convidou, de quebra, um historiador especialista em casamento de nobres.
Nada disso convenceu a velha duquesa, nem sequer o que ela leu nas páginas do Globo (26/04),que gastou muita grana, mas destacou um batalhão de jornalistas para acompanhar um acontecimento tão relevante e transcendental para os destinos do Brasil e para a sobrevivência do planeta, anunciando “uma cobertura especial sobre o casamento mais badalado do ano”, além de um site com dezenas de fotos, vídeos e reportagens sobre a história dos noivos e detalhes do casamento.
Foi com orgulho nacional que O Globo informou sobre a dinâmica do site: “O ambiente multimídia é atualizado varias vezes por dia com as últimas noticias e vídeos sobre o acontecimento”. Não contente com isso, colocou no ar um quis de 20 perguntas para testar o conhecimento dos internautas sobre os noivos e a família real, premiando quatro vencedores com canecas vindas de Londres, onde estava impresso o retrato do casal.
O casamento foi em Londres, mas a mídia brasileira deu um show à parte, mostrando que o pior provincianismo é aquele que não se assume e tenta aparentar cosmopolitismo. A mídia era a imagem da Eunice, deslumbrada personagem da novela Insensato Coração.
Casal do mundo
Mostraram para a duquesa até os jornais de Manaus, que entraram no ritmo, de forma mais discreta. No diário Em Tempo, o padre Paulo Pinto, pároco de Nossa Senhora de Lourdes, no Parque Dez, escreveu um artigo intitulado ‘Casais para o mundo’. Nele, citava Mateus (19, 3,6): “Por isso, o homem deixará seu pai e mãe e se unirá à sua mulher e serão os dois uma só carne”. O artigo foi traduzido ao inglês pelo secretário de cultura do Amazonas, Berinho Braga, que apresentou o autor como father Paul Little Cock.
Mas Déborah de Mitford não admitiu o casamento, nem assim, nem com o argumento de que Kate e William eram “dois numa só carne”. Ela permaneceu irredutível diante de tantas evidências. E isso porque a velha duquesa descobriu que faltava um carimbo da Abadia de Westminister na certidão de casamento de William & Kate, o que o tornava, a seus olhos, ilegal. E se ilegal, era portanto inexistente. Assim, ela aplicou o princípio do carimbo, critério de verdade instituído pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE) do Amazonas.
Esse princípio foi usado na véspera do casamento de William x Kate, quando o TRE/AM inocentou o prefeito de Manaus Amazonino Mendes (PTB vixe, vixe) do crime de abuso de poder econômico, caixa dois e captação ilícita de sufrágios, no caso, da distribuição de combustíveis durante o pleito de 2008. O recurso apresentado pelo Ministério Público Eleitoral foi negado por cinco votos a um, sem discutir o mérito. Vocês sabem por quê? Porque falta no processo um carimbo com o número do protocolo, comprovando que a ação foi apresentada dentro do prazo regimental.
O casamento de William e de Kate, apesar das evidências e de milhões de testemunhas, não existiu, da mesma forma que o conjunto de irregularidades praticadas por Amazonino. A falta do carimbo é a prova mais cabal de que nem Kate se casou, nem Amazonino prevaricou. O TRE/Am, como a velha duquesa, já havia negado a existência da fraude, antes mesmo de ela ser cometida. O único que viu tudo foi o juiz Dimis da Costa Braga, que votou contra Amazonino. Ele e 2 bilhões de telespectadores.