Por Ribamar Bessa:
– Mister, do you know buchuchu? What does it mean?
A pergunta feita assim, à queima-roupa, por um jornalista estrangeiro surpreendeu o acreano Altino Machado, ex-repórter do Estadão, do JB e da Folha de SP, editor do blog mais lido da Amazônia. O gringo o procurou quando preparava matéria sobre a história do terrorismo no Brasil. Queria entender o sequestro do embaixador norte-americano no Rio, em 1969, e sua relação com um menino chamado Jorge Viana, que interrompeu a própria festa de aniversário, lá em Brasiléia (AC), e saiu correndo com as calças nas mãos, em louca disparada pelo Seringal Carmen, soltando um grito lancinante:
– Buchuchuuuuuu! Buchuchuuuu!
No dia 20 de setembro de 1969, Jorge Ney Viana Macedo Neves, hoje senador (PT/AC), completava dez aninhos. Era apenas um menino, mas não subestimemos crianças manipuladas por terroristas. Buchuchu, assim como trubufu, podia ser uma ofensa à dona Yolanda, mulher do M.al Costa e Silva, o ditador moribundo. Por isso, era altamente suspeitosa aquela fuga desabalada em direção à fronteira da Bolívia, então sob a presidência de um defensor dos direitos humanos, Luis Adolfo Salinas. Será que Jorginho buscava asilo lá, após afrontar a primeira dama, a trubufu do Planalto?
Naquele dia, os “três patetas” da Junta Militar assinaram a nova Lei de Segurança Nacional, que penalizava o terrorismo verbal e censurava o uso de palavras foneticamente explosivas como buchuchu e trubufu. Foi aí que o gringo, intrigado, endereçou a pergunta à pessoa certa. Não é por ser meu amigo não, mas Altino é reconhecidamente o maior buchuchuólogo da Amazônia, quiçá do Brasil e das Américas, não seria exagero dizer do planeta. Ele domina ciência e saber popular. Num inglês fluente, com sotaque arretado de acreano, deu uma aula de buchuchuologia para o gringo.
Meleca de cachorro
Começou citando Barbosa Rodrigues, um botânico que morou em Manaus, no século XIX, e classificou o buchuchu como planta arbustiva de caule cilíndrico da família Melastomatacea, segundo a ciência, ou da família Culimpácea, segundo a sabedoria popular. Qual a origem desses nomes? Melastoma vem do grego e significa ‘boca manchada’. É que seus frutinhos roxos e adocicados, quando ingeridos, deixam a língua e os lábios azulados, quase pretos, como se fosse tinta de caneta.
– E Culimpácea? – quis saber o gringo, mas Altino se esquivou, hesitando em entregar o ouro ao bandido. Explicou que o importante é saber que essa família botânica possui mais de 5.000 espécies, das quais 1.500 existem no Brasil, entre elas as que recebem os nomes populares de meleca-de-cachorro, roxinha-do-brejo, orelha-de-burro, canela-de-velho, pixirica (em tupi algo assim como “boca pintada”) e tantos outros nomes poéticos citados por Adriano Lima na tese de doutorado em Biologia Tropical sobre o inventário florestal do Amazonas, defendida no INPA em 2010.
Altino, consagrado buchuchuólogo, revelou para um gringo atônito outras propriedades essenciais da planta, que frutifica de julho a setembro e cujos frutos, parecidos com a jabuticaba, quando maduros, são muito apreciados pelos passarinhos, particularmente as pipiras e os sanhaços que pousam nos ramos cor de chumbo para bicá-los. Rico em vitamina C, o buchuchu faz milagres na medicina caseira como antiescorbútico. O chá de suas folhas regula o ritmo cardíaco, cura infecções urinárias e moléstias da pele.
– O buchuchu cresce espontaneamente em capoeiras e nos solos arenosos e úmidos da mata atlântica e da Amazônia, onde reforça a economia doméstica e a culinária com a fabricação de suco, sorvete, geleia, licores, polpa congelada, picolé, din-din e sacolé, do you understand, mister? – concluiu Altino.
Culimpácea
Sim, o mister entendia, estava encantado com as mil e uma utilidades da planta, mas o mistério persistia, o que ele queria saber é por que Jorge Viana correu no seringal, com as calças na mão, gritando buchuchu. Qual a relação daquilo com o terrorismo?
– Why buchuchu? Uái, sô?
Altino convocou uma espécie de “junta médica” virtual formada por três buchuchuólogos que o assessoram – o botânico Evandro Ferreira, o sertanista José Meirelles e esse locutor que vos fala, modesto inventor de histórias. Decidiu-se que era melhor abrir o jogo, revelando ao gringo a propriedade mais útil do buchuchu para os povos da floresta, ainda não mencionada, sem a qual o grito de Jorginho era incompreensível.
– Mister, elucidaremos o que aconteceu. A folha do buchuchu, longo-peciolada, mede até 15 cm de comprimento por 5 a 7 cm de largura. É sedosa e, por isso, muito apreciada por quem vai ao mato sem papel higiênico. Quando a gente se aperta, no meio da floresta, e quer “derrubar um barro”, cata a folha e vai pro pau da gata. Depois de aliviar as tripas, limpa o ‘forever’ com a folha do buchuchu, do you understand? Quando criança, em Cruzeiro do Sul (AC), usei muito – confessou Altino.
– Eu também – reforçou Meirelles, confirmando que o povo classifica a família do buchuchu como Culimpácea, porque os pelinhos da folha acariciam o ‘forever’. Se a China descobrir essa propriedade, vai plantar buchuchu pra chuchu e exportar para a Venezuela.
Estava, enfim, explicado o grito de Jorge Viana. Ele trocou as bolas. Embora botânicos assegurem que “as folhas do buchuchu são facilmente reconhecíveis pelas nervuras paralelas ao longo da lâmina foliar”, aos olhos do leigo elas se parecem com qualquer outra. Jorginho se equivocou e usou uma folha rugosa de urtiga, serrilhada, cheia de pelos urticantes. Deu comichão e irritação no seu ‘forever’. Com a rabiola coçando, doendo, queimando, ardendo, incendiando, ele correu desesperado pedindo aos berros: – buchuchu, buchuchu. Tentando tirar o fiofó da seringa, atravessou vários seringais e foi parar em Cobija.
No forever alheio
Essa história, que já faz parte da tradição oral, é contada até hoje no antigo Seringal Carmen, onde ainda ecoa o grito: “buchuchuuuu”. O fato interferiu na vocação de Jorge, que ia estudar medicina com o irmão Tião, mas acabou cursando engenharia florestal na UnB, para se especializar no tema e superar o trauma. Já formado, assessorou o movimento dos trabalhadores rurais e seringueiros, quando conviveu com sindicalistas e ambientalistas como Chico Mendes, um autêntico buchuchu. Foi prefeito, governador e senador pelo Acre e caiu nos braços das urtigas.
Na floresta, hoje, se tiver que se “aliviar”, Jorge Viana usará corretamente o buchuchu, porque pagou caro com o próprio ‘forever’. No entanto, isso não acontece na selva do senado, onde ele confunde politicamente as famílias Culimpácea (ficha-limpa) com Urticacea (ficha suja). Lá, nesta semana, no meio da histeria pela morte de um jornalista, ele defendeu a aprovação de uma espécie de AI-5 padrão FIFA, a “lei antiterror”, inócua para combater o terrorismo classificado de forma tão ampla que engloba tudo, mas útil para perseguir adversários políticos e para reprimir os movimentos sociais, de onde ele tirou originariamente sua força.
O PT publicou nota oficial assinada pelo presidente nacional, na qual toma distanciamento do senador Viana, isolando-o. A nota, ambígua, proclama, por um lado, as virtudes do buchuchu, mas por outro, ameaça usar a urtiga, como bem avaliou a jornalista Leda Beck, insigne buchuchuóloga.
No que lhe diz respeito, Jorge Viana continua fazendo – com o perdão da palavra – cagadas. Está fazendo muita merda. No entanto, em vez de se limpar com buchuchu, recorre às urtigas: sarney, calheiros, barbalhos e jucás, mas passa no nosso ‘forever’ e não no deles. That’s the question, Mister.
P.S. – A história do seringal, aqui narrada, é a expressão mais acabada da verdade, somente da verdade, nada mais que a verdade. Há testemunhas. O referido é verdade e dou fé.
P.S. 2 – Para Alfredo Lopes, amigo querido, na resistência, com afeto.