Ou pelo menos ficou mais convencido dos benefícios da democracia nos últimos anos?
O senso comum diria que sim. Aparentemente somos um país democrático. Com muitos problemas é verdade. Tratamentos desiguais. Justiça lenta. Processo eleitoral a aperfeiçoar. Burocratismo. Direitos individuais a respeitar. Mas tivemos eleições livres, alternância nos governos municipais, estaduais e no federal.
Os três poderes se disputam, mas se respeitam. Temos liberdade de imprensa, de expressão, do direito de ir e vir, de religião. Respeitamos e valorizamos os imigrantes. Não estamos em guerra. E por aí vamos.
Mas, se levarmos em conta o Latino Barômetro, uma ong internacional, especializada em medir a democracia, (embora ela mesma alerte ser essa uma tarefa quase impossível), o apoio do brasileiro à democracia não é tão claro.
Estamos numa América Latina onde o apoio à democracia parece depender da educação e indiretamente da renda: os mais educados (73%) apoiam, contra apenas 56% dos com menos educação.
Quando os brasileiros são perguntados se a democracia é a melhor forma de governo, a concordância média da América Latina é de 61%, no Brasil é de apenas 54%. Do ano passado para cá, o apoio à democracia teria diminuído ou no máximo ficado estável.
A maioria acredita que pode haver democracia sem partidos políticos. E o pior. Só 44 % concordam com a afirmação de que não pode haver democracia sem Congresso Nacional. Pior ainda. Pelo índice de legitimidade, dos dezoitos países da América Latina só em dois a maioria da população se nega a conceder alta ou média legitimidade a suas democracias: Brasil e México.
O brasileiro se vê numa democracia de baixa legitimidade.
O que explicaria essa aparente contradição entre o senso comum, que acredita que estamos numa democracia e esses índices de instituição respeitada como o Latino barômetro?
A resposta é complexa, mas compreensível. Democracia, corrupção, liberdade não são conceitos pacíficos. Comece a discutir com seu vizinho e verá que cada um adota conceitos diferentes e até contraditórios.
Daí, quando uma instituição faz um ranking, índice, constrói indicador para medir conceitos fluídos como democracia, corrupção e liberdade, em geral, escolhe um conceito como parâmetro. Este parâmetro funciona como ponto de partida, óculos, microscópio, através do qual analisam e veem as realidades. Daí extremo cuidado com esses barômetros, índices, indicadores e ranking. Sobretudo quando comparam países, culturas, mesmo continentes desiguais.
É indispensável conhecer o modelo de partida pelo qual o índice foi construído. Sem conhecer a matriz dificilmente entenderemos as filiais. As instituições de credibilidade explicitam suas escolhas. Mas muito frequentemente essas escolhas são influenciadas por opções culturais etnocentricamente implícitas, quase imperceptíveis.
O Euro barômetro, inspirador do Latino Barômetro, por exemplo, não mede mais o apoio dos europeus às suas democracias. Como eles não têm a experiência recente de autoritarismo o apoio é entendido como pacífico. Como natural.
Grande erro. A democracia na Europa passa por momento extremamente delicado. Se fôssemos medir, poderíamos ter surpresas desagradáveis.
A democracia européia está gravemente ameaçada pelo racismo, intolerância religiosa e crescente ódio aos imigrantes, sub cidadãos. Não tardará que tal intolerância passe para as empresas e produtos estrangeiros. Não custa um pouco de história.
Os Estados Unidos se rebelaram contra a Inglaterra no século XVIII porque os ingleses queriam lhe cobrar impostos e eles não tinham partidos políticos, meios de se representar no Parlamento Inglês. Não votavam. Cunharam então a famosa expressão: Não há direito de impor impostos sem que os contribuintes possam se representar no Parlamento. “No taxation, without representation”. Rebelaram-se. Criaram sua exemplar democracia até hoje.
Existe, pois, questão maior para a democracia européia do que a dos direitos dos imigrantes? Cidadãos que trabalham, pagam impostos e nem são representados nos parlamentos.
Quem quer que vá a Europa, hoje, sente latente caldeirão de ódio. Inclusive contra estudantes brasileiros. Não raro ouvem: por que não volta e vai estudar em seu país?
A democracia é conceito fluído que se pretende universal. Esses rankings, indicadores, índices precisam de uma crítica também universal. Assim a própria democracia avança. Afinal, são índices e não dogmas.
Mas vale a pergunta: o brasileiro passou a apoiar mais democracia em 2010? E em 2011? Avançaremos?