Por Ribamar Bessa:
No sábado(20), o presidente Michel Temer, em pronunciamento em cadeia nacional, repetiu que não vai renunciar, deu explicações esfarrapadas sobre as graves denúncias gravadas e filmadas e anunciou que encaminhou ao STF pedido de suspensão de inquérito aberto contra ele por corrupção, obstrução de justiça e formação de organização criminosa.
Numa crônica com enfoque machista, Nelson Rodrigues assegura que um homem deve negar sempre um encontro extraconjugal, mesmo se sua digníssima esposa encontrar marcas de batom na cueca. O Brasil inteiro descobre, agora, as ceroulas de Temer e do senador Aécio Neves, totalmente lambuzadas de batom e salpicadas de fedorentas manchas amarelas. Quando ouvimos as explicações mirabolantes dos dois tentando desqualificar provas contundentes, lembramos o saudoso Miquiguaçu, que circulava por Manaus nos anos 1950.
Miquiguaçu, morador no Beco da Escola, bairro de Aparecida, vendia caldo de cana e pastel num carrinho em frente ao Grupo Escolar Cônego Azevedo, ao lado da banca de verdura da Nilza. Na hora da merenda, os alunos que bebiam garapa, apresentavam reações estranhas, andar trôpego, sonolência, voz pastosa. A polícia demorou em descobrir que a garapa do vendedor vinha misturada com cachaça, cujas garrafas vazias foram encontradas na casa dele. O crime foi confirmado por exames laboratoriais e pelos sucessivos porres das crianças.
Diante das provas inequívocas do delito, Miquiguaçu gaguejou que não houve flagrante, que ninguém testemunhara o mistifório, que garrafas vazias não provam nada, que ele não tinha culpa, que o caldo da cana recém moída fermentara espontaneamente em contato com o ar. Como não tinha foro privilegiado, nem grana para pagar advogados, foi em cana – desculpem o trocadilho.
Os moradores do bairro ficaram indignados com o garapeiro e avaliaram que crime ainda maior foram as desculpas gelatinosas e ilógicas que ele apresentou, zombando da inteligência de todos. – Deus castiga – comentou o seu Santino, entre uma tosse e outra, quando Celino, o sapateiro, lhe contou que Miquiguaçu havia esmigalhado a mão na máquina de moer cana, É que mesmo depois que saiu da cana, ele continuou vendendo o caldo da dita cuja misturado com cachaça, em frente a outro Grupo Escolar, lá da Praça XIV.
Cala a boca, Batista!
São quatro questões que nos chamam a atenção: Aécio, Temer, os irmãos Batista e a TV Globo. Agora, não se trata apenas de disse-me-disse de delação premiada. Não é a palavra do delator contra a do delatado. Foram colhidas provas materiais, tudo filmado, gravado, com autorização do Poder Judiciário.
O presidente do PSDB (viiixe Maria!), Aécio Neves, ex-candidato derrotado a presidente da República, na conversa recente com Joesley Batista, da JBS, no dia 24 de março, num luxuoso hotel de São Paulo, agiu como um bandidinho mequetrefe. Pediu R$ 2 milhões para “pagar advogados” nos muitos inquéritos em que é citado por corrupção. Acertou a entrega da bufunfa para seu primo dizendo – brincando, ele jura – que se um dos agentes indicados delatar, “a gente mata ele antes de fazer delação”. Tudo gravado.
Depois que a TV Globo divulgou as gravações, um Aécio, pálido e encagaçado, jurou que está “absolutamente tranquilo” sobre a “correção” dos atos dele, porque aquela transação filmada, documentada, gravada, prenhe de palavrões, foi “estritamente pessoal sem qualquer envolvimento com o setor público”. Era um empréstimo que pedia a seu amigo – “muy amigo” – “porque como todo mundo sabe os juros do banco são altos”. Só faltou jurar que a voz não era sua. Nem o Miquiguaçu teria tanta imaginação.
Caixa 3
Temer não ficou atrás. A conversa gravada no porão do Palácio Jaburu deixou marcas de beijos estalados na cueca presidencial. O presidente da República dá o aval para Joesley continuar comprando o silêncio do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, que é um gênio, pois mesmo preso continua engordando sua conta bancária.
A mesada a Cunha e a Funaro era mencionada através de senha: “Os passarinhos estão tranquilos na gaiola? É preciso continuar dando alpiste pros passarinhos”, segundo o diretor da JBS, Ricardo Saud, que pagou, em 2014, R$ 15 milhões para o Caixa 2 da Campanha Dilma-Temer. O candidato a vice “embolsou R$ 1 milhão” em benefício próprio. “Já vi o cara gastar o dinheiro na campanha. Agora, pegar um dinheiro do PT e guardar no bolso dele é muito difícil. Só ele [Temer] e o Kassab fizeram isso”. Um Caixa 3.
Temer colocou ainda Joesley em contato com um homem de sua confiança, o deputado Rocha Loures, flagrado recebendo a propina. – “A propina era toda tratada com Temer. O Rodrigo era só o intermediário” – disse Joesley em sua delação. Diante de provas tão robustas, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, até há pouco paparicado por Temer, considerou que os dois presidentes – um da República e outro do PSDB – tentaram obstruir a Operação Lava Jato, pedra já cantada por Jucá. Pediu, então, abertura de inquérito “por obstrução da Justiça, corrupção e organização criminosa”.
Em pronunciamento à televisão, Temer foi enfático: Daqui não saio, daqui ninguém me tira. Disse que está “absolutamente tranquilo”, que o dinheiro que aprovou a repassar para Cunha não foi para comprar o silêncio do ex-presidente da Câmara, mas um comentário caridoso, de solidariedade, para ajudar a família do preso, coitado, que passa por dificuldades. O caldo de cana fermentou em contato com o ar. Miquiguaçu não faria melhor.
Ejepe’ a Ma, Temer
Se a Operação Lei Seca começa a multar teus amigos, tu não diriges mais quando bebes. O impressionante no comportamento de Aécio e Temer é que continuam agindo à margem e acima da lei. O clima de punição instaurado pela Lava Jato não inibiu seus comportamentos.
Consciente de que a opinião pública estranhou o prêmio dado aos empresários delinquentes da JBS com um acordo no qual saíram lucrando, Temer, vivíssimo, tentou só agora desqualificar Joesley, até então seu amigo, a ponto de recebê-lo em sua residência oficial.
A TV Globo, que bancou Aécio e depois Temer, deu ampla cobertura ao fato, o que deixa muita gente de orelha em pé. O que é que eles estão aprontando? Compromisso com a informação? Mon oiel. Na Globo News, Merval Pereira justificou apoio anterior dado a Aécio, comentando que o senador tem dupla personalidade. Ou seja, existiriam dois Aécio: 1) o estadista e 2) o delinquente. Merval apoiou o primeiro e contribuiu para fazer a cabeça de 51 milhões de brasileiros que nele votaram. Trata-se agora de saber quem vai ser preso: o primeiro ou o segundo.
Temer e Aécio são, na realidade, dois Miquiguaçu, que em Nheengatu significa “bundão” como nos assegura Theodoro Sampaio em seu livro “O Tupi na Geografia Nacional” (pg. 83). Miquiguaçus com cueca lambuzada de batom, que tratam o povo brasileiro como otário. Só nos resta dizer, como meu professor de guarani, Joel Kuaray: “Ejepe’a Ma, Temer”, que numa tradução livre quer dizer: “Tchau, querido”. Parece ser questão de mais dias, menos dias.