Texto do sempre lúcido Everardo Maciel que merece uma reflexão.
Por Everardo Maciel.
As discussões sobre as reformas trabalhista e previdenciária, cujo desfecho é ainda imprevisível, fizeram aflorar reações que retratam o que existe de mais atrasado no País. São as corporações de todos os gêneros que defendem, arraigadamente, seus privilégios e, sobretudo, o controle do Estado brasileiro, antes limitado a velhos oligarcas políticos e ao empresariado patrimonialista.
Nada, no Brasil, é mais maltratado que o próprio Estado. Dele se extrai tudo que é possível, desde incentivos ineficazes, aposentadorias privilegiadas, programas assistenciais que não viabilizam a promoção social, férias em dobro e convertidas em dinheiro, salários que ultrapassam o teto constitucional e, sobretudo, o que se rouba na farra da corrupção sistêmica.
Como o Estado não produz riqueza, essas práticas de espoliação constituem tão somente uma pervertida forma de redistribuir o que a Nação produz, além de, paradoxalmente, impedir que ela produza mais.
Uma população pouco esclarecida, em razão do lastimável padrão da educação pública, é um espaço fértil para o engodo e a manipulação.
Quando se diz que a reforma trabalhista irá retirar direitos dos trabalhadores, o que, na verdade, se defende é a manutenção do imposto sindical que abastece o peleguismo, cuja atividade jamais foi fiscalizada, afora tudo que gravita em torno da justiça trabalhista, que se alimenta da tentacular indústria de litígios.
Os movimentos contrários à reforma previdenciária visam tão somente assegurar privilégios na aposentadoria do setor público.
Não há preocupação com as gerações futuras, nem mesmo com a existência de recursos para pagamento das aposentadorias no curto prazo. Prefere-se a dolorosa via grega do desastre.
É impressionante a “contabilidade criativa” para tentar, primariamente, mascarar os déficits da previdência.
Há quem diga, espantosamente, que é necessário contratar mais servidores para assegurar o equilíbrio nas contas previdenciárias, como se o pagamento desses servidores não fosse dispêndio.
O Estado brasileiro, ressalvadas algumas ilhas de excelência, além de estar enredado em uma grave crise fiscal, funciona muito mal.
A administração da saúde pública, por exemplo, é uma calamidade.
A pretensão constitucional de qualificar a saúde como direito universal é patética, porque viola o inexorável princípio da escassez.
A busca desse direito, na Justiça, é uma excentricidade. O magistrado demandado não dispõe de qualificação técnica para aferir a procedência do pedido e muito menos estabelecer, considerada a limitação de recursos materiais e financeiros, prioridade no atendimento.
Greve no setor público nega sua própria razão de ser. É greve contra os usuários do serviço público, fazendo prevalecer o interesse individual sobre o público. Em alguns casos, assume natureza de motim.
É verdade que essa greve tem previsão constitucional, mas até hoje o Congresso não se dispôs a disciplinar o instituto e, dominado pelo medo das corporações, se abriga em uma decisão precária tomada pelo STF. Há ainda quem se queixe, sem razão no caso, do ativismo judicial.
Foi um enorme erro, na Constituição de 1988, conceder-se autonomia orçamentária para os Poderes Judiciário e Legislativo e para o Ministério Público.
A consequência dessa imprudente iniciativa se revela nos suntuosos palácios que albergam os órgãos daquelas instituições, em contraste com a precariedade das estradas, escolas e hospitais. De igual forma, os regimes de pessoal de seus servidores são generosos, quando confrontados com os dos demais servidores.
A política de gastos públicos, inclusive a de pessoal, tem que se sujeitar a critérios gerais. Diferenciações não podem decorrer do vínculo a Poder, mas da natureza da atividade. A independência dos Poderes não autoriza concluir que pertencem a Estados soberanos.
Ainda que indispensável, não será fácil reformar o Estado brasileiro. As forças reacionárias são poderosas. Por um bom tempo, o Estado prosseguirá marchando como um hipopótamo trôpego.