O açaí do Paraná

Por Alfredo MR Lopes (*) alfredo.lopes@uol.com.br

“A senhora sabe de onde é extraído o fruto do açaí para fazer esta delícia que todos gostam”, perguntou o turista Manauara, um tanto quanto perplexo no verão paulistano de Ubatuba, de ver a aceitação do Poderoso Açaí – nome do estabelecimento –  compartilhando com o cupuaçu, as maravilhas de sucos e sorvetes amazônicos. “Sei, sim – respondeu a proprietária sorridente –  do Paraná”. Pois é, pensou o curumim, acanhado e desapontando com a timidez publicitária de sua terra, que não sabe vender para o mundo  as delícias do exotismo que produz.  Toma pra deixar de ser besta… Bucaberta, como se diz no Baixo Amazonas. O Paraná, além da goma – a fécula de mandioca da qual se faz a tapioca do cheese-caboquinho – fornece a fama e a imagem de produzir dois dos produtos mais emblemáticos da Amazônia. É bem verdade que os equipamentos e máquinas que respondem pelo acabamento da deliciosa cadeia, são da terra da araucária, uma frondosa representação florestal. Comunicação tímida é a base dos desencontros, atrasos e prejuízos, nas relações em todos os níveis, das pessoas entre si e destas com o ambiente e as oportunidades a sua frente.

É o que dá a política da intocabilidade, como se a floresta fosse uma vaca intocável das divinas tetas da Índia. Falar em economia agroecológica, reflorestamento da floresta usurpada, manejar a riqueza com inteligência a favor do caboco da Amazônia é pronunciar o nome do Capeta na casa do Senhor. O açaí nasce nos estados da Amazônia e não consta que tenha sido domesticado em outros biomas, como fizeram os paulistas com a seringueira, no Noroeste paulista, hoje o maior produtor de borracha do Brasil, e em breve, do mundo,  se o IAC, Instituto Agronômico de  Campinas seguir investindo na genética produtiva da Hevea brasilienses, com superclones sem porongas, apenas com as luzes naturais da inovação, de uma biotecnologia que, de tão longínqua, nos envergonha de não abrigar, como diria o empresário de roupas profissionais Augusto Rocha.

Em dezembro último, na segunda edição dos Debates Produtivos, ocorrido no Centro da Indústria, com inspiração  da Agência de Fomento, Afeam, da batuta da Federação da Agricultura e da Indústria, foram colocados  dedos sujos de barro – de onde na alegoria bíblica do Éden teria surgido a vida humana – na ferida das omissões no que se refere à produção de alimentos. Um estado que importa 90% da comida que consome precisa parar para pensar a credibilidade de sua gestão. A Afeam, a rigor, é quem tem segurado a onda do emprego no Beiradão, usando parcela discreta dos recursos pagos para o interior para gerar – com o Banco do Povo – o emprego que a crise reduziu vertiginosamente. Daí o  tema nas entidades do setor produtivo ter sido  a discussão da viabilidade de implantação do Pólo Agroindustrial de hortifrutigranjeiro de Presidente Figueiredo. Dinheiro para isso não é problema, como tem sido para a secretaria de Produção Rural onde, apesar dos esforços, até o leite se recusa a sair das pedras. Consolidada a modelagem ela se aplicará aos demais municípios da Região Metropolitana de Manaus.  Sim, um polo, entre os demais – que estão, quase todos alcançados/açoitados pela crise – para produzir comida e abastecer a base produtiva da Zona Franca de Manaus e seus responsáveis, a população. Uma resposta rápida para gerar receita e conter sua evasão com a compra externa de tanto pão de cada dia. A escolha prioriza uma municipalidade ligada à Manaus  por estrada, com terras abundantes, água, infraestrutura de energia e comunicação, além de alguns ensaios agrícolas bem sucedidos. A Embrapa Amazônia Ocidental tem um cardápio de acertos em produtos já testados e aprovados pelo mercado. Nos Debates, a indústria – que repassa para o Estado quase R$ 1 bilhão para a economia do interior – destacou que seus cem mil e tantos (?) operários comem frango de Santa Catarina, tambaqui do Mato Grosso e Rondônia, temperados com cheiro verde do Nordeste, farinha do Acre, tomate de São Paulo, a um custo de refeição, que compromete a saúde dos colaboradores, pelo risco da logística precária, a planilha de custos e a reputação agrícola dos nativos. Tecnologia adaptadas ao clima, ao controle de  pragas, em todas as modalidades de agroecologia, além dos recursos pagos pelas empresas, já estão disponíveis. Só falta enfiar o pé na boa e fecunda lama. Quem não tem competência para garantir segurança alimentar não pode se  estabelecer. Daí a obsessão do governo estadual para produzir proteína de peixe. Além do açaí, precisamos da tradição agrícola, integrada inteligentemente com sua base industrial, como se faz no Paraná… Vai encarar?

.(*) Alfredo é filósofo e ensaísta