Descobrir as causas da ELA para chegar à sua cura é um anseio de toda a comunidade científica mundial.
Serafim Corrêa
Fonte: O Globo – Rafael Ciscati
SÃO PAULO – O cientista Rickie Patani, do Instituto Francis Crick, em Londres, costuma se comparar a um entusiasmado detetive. Em lugar de crimes, no entanto, ele investiga as possíveis causas da Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA) — uma doença que provoca a morte das células nervosas motoras, responsáveis pelos movimentos do corpo. A condição, ainda incurável, é bastante conhecida: o físico britânico Stephen Hawking, por exemplo, sofria da doença. Mas suas causas são um mistério para a ciência. No começo de 2018, Patani e seus colegas deram passos largos em direção a uma resposta para o mistério. E, quem sabe, em direção a uma possível cura para a ELA.
Células da pele de indivíduos com ELA foram colhidas e, em seu laboratório, Patani as transformou em células-tronco pluripotentes. Essas estruturas são úteis porque podem se tornar qualquer célula do corpo humano. No caso, o cientista queria observar como essas células-tronco amadureciam para originar neurônios motores. Com isso, esperava avaliar se alguma anormalidade em sua formação poderia explicar a ocorrência da doença. A descoberta: as células nervosas dos indivíduos com ELA têm dificuldade para produzir proteínas.
Patani diz que já trabalha em parceria com uma empresa farmacêutica. “Tenho grandes esperanças de que estamos próximos de uma cura para a ELA”. Seus achados lhe renderam uma premiação conferida pelo Instituto Paulo Gontijo (IPG). Centro de pesquisa e tratamento de indivíduos com ELA, o IPG premia, anualmente, pesquisadores cujos trabalhos tenham contribuído para a compreensão — e eventual cura — da doença.
O que acontece nos neurônios motores de quem tem ELA?
Descobrimos que eles têm problemas no RNA, nas mensagens responsáveis por produzir as proteínas, os blocos fundamentais das células. Essas mensagens corrompidas carregam trechos com instruções equivocadas que chamamos de “introns”. No geral, os “introns” são removidos das células saudáveis e não atrapalham o processo de síntese proteica. Isso não acontece nos neurônios motores de quem tem ELA. Os “introns” capturam proteínas importantes, removendo-as de lugares onde desempenham funções também importantes.
Como vocês descobriram isso?
Nós reprogramamos células da pele de indivíduos com ELA, de modo que se transformassem em células-tronco pluripotentes. Na verdade, células de qualquer tecido do corpo podem ser reprogramadas dessa maneira. Essa técnica foi desenvolvida pelo cientista japonês Shinya Yamanaka, que ganhou o prêmio Nobel (em 2012). E trabalhamos com ela desde que foi desenvolvida.
E qual a origem dessas “mensagens erradas”?
Ainda não sabemos. Os próximos estágios do nosso trabalho envolverão delinear o que provoca essas mensagens corrompidas e estabelecer como, exatamente, elas provocam ELA.
Há meios de corrigi-las?
Sim. Planejamos usar sequências de DNA sintetizadas para atacar de modo preciso, manipulando de maneira previsível como o RNA é processado e como esse RNA é traduzido em proteínas constituintes dos nervos motores. Atualmente, trabalhamos em parceria com uma empresa farmacêutica que foi pioneira em usar essas técnicas para eliminar mensagens corrompidas. Espero que, um dia, isso nos ajude a chegar a um tratamento de impacto para a ELA.
Esse tipo de conhecimento ajuda a pensar em intervenções precoces, que aconteçam antes de a pessoa estar debilitada pela doença?
É essa a nossa esperança. Por ora, não temos uma terapia capaz de mudar o curso dessa doença devastadora, embora alguns candidatos promissores estejam em desenvolvimento. Essas mensagens corrompidas são raras em indivíduos saudáveis. Sua presença pode nos servir como um biomarcador, que ajude a identificar o problema ainda nos estágios iniciais. Esse tipo de intervenção precoce é crucial para retardar, parar ou mesmo reverter os problemas causados pela doença.
Estamos próximos de uma cura para a ELA?
Acho que vivemos um momento muito animador nas pesquisas. A comunidade científica vem aprendendo, muito rapidamente, coisas importantes a respeito da doença. Tenho grandes esperanças de estarmos próximos de uma cura para a ELA. Mas é difícil ser mais contundente, dizer quando ela virá.
O senhor acaba de ganhar o prêmio Paulo Gontijo. Qual a importância desse reconhecimento?
Estou bastante honrado. Meu grupo e eu estamos comprometidos com a missão de curar essa doença devastadora. Não vamos parar até alcançar esse objetivo. Acredito que a nossa filosofia se parece muito com a do Instituto Paulo Gontijo. Mais importante que isso, acho essencial agradecer aos pacientes de ELA, sempre tão dispostos a contribuir com as pesquisas.