Por Luiz Costa Pinto
O açodamento de João Doria fez um mal imenso a ele e um bem imensurável ao Brasil. A crescente divulgação das viagens do prefeito paulistano, que não para na cadeira para a qual foi eleito há um ano apenas e diz ser capaz de administrar a maior metrópole sulamericana por mensagens de Whatsapp e por vídeos toscos postados no Youtube, desagrada o morador de São Paulo e mina a indisfarçada ambição presidencial do político amador.
Eis aí as duas faces da pesquisa DataFolha divulgada no último domingo: para azar de Doria o eleitor da capital paulista reivindica um prefeito que trabalhe de fato pela cidade; e para sorte do Brasil a empulhação travestida de “novo” e emersa das urnas de 2016 está a revelar pouco fôlego.
A ressaca dos violentos retrocessos institucionais verificados no país desde a aceitação da denúncia do impeachment em dezembro de 2015 pelo ex-deputado Eduardo Cunha (psicopata hoje preservado do convívio social numa cela em Curitiba) faz-nos caminhar para um cenário complexo em 2018.
Mas o provável, no momento, é que o poder aderne para um projeto localizado entre o centro e a direita do espectro ideológico. Se errarmos muito no curso do processo eleitoral poderemos cair numa aventura de extrema-direita.
Caso o ex-presidente Lula consiga vencer a corrida de obstáculos e a gincana contra o relógio que parcela considerável do Poder Judiciário impõe a ele –ao acelerar uma sentença condenatória em 2ª instância, mesmo que prisões só voltem a ocorrer após o trânsito final da coisa julgada, e estabelecendo inelegibilidade via Tribunal Superior Eleitoral em razão dessa eventual condenação colegiada em Porto Alegre (TRF-4)– é possível que o petista esteja no 2º turno do próximo ano.
Em se consolidando tal cenário, estaria o país confrontado com a possibilidade de acirrar ainda mais a disputa política. É cedo demais para captar como se portará a maioria, contudo é prudente prever que o brasileiro se perguntará (e a pergunta valerá, também, para a eventualidade de um Jair Bolsonaro chegar ao 2º turno): quero seguir mais 4 anos tendo Palácio do Planalto um personagem cujo nome mais desune no que agrega a Nação? O drama será profundo se o cenário for aquele apontado pelas pesquisas atuais de intenção de voto – Lula x Bolsonaro
Claro que o ex-presidente é muito mais hábil e tarimbado do que todos os antagonistas hoje postos na disputa –exceção feita, talvez, ao governador paulista Geraldo Alckmin, nome em ascensão nos levantamentos. Pode ainda haver um 2º nome em gestação nesse espectro do centro à direita se cacifando para a disputa, o do presidente da Câmara, Rodrigo Maia.
Mas a viabilidade dessa novidade até aqui possível, porém improvável, só se dará caso Maia dispute a presidência sentado na cadeira que hoje é de Michel Temer. E isso só acontecerá na esteira de uma reviravolta no roteiro do drama brasileiro –em que pese vivamos, sim, numa espécie de set de thriller político.
Ante as cartas postas à mesa ressalta o odor enjoado de arteiro amador emanado por João Doria Jr. E isso explica a derrocada de sua avaliação pessoal e a de sua administração tão curta, tão escassa de marcas positivas e tão vazia de rumos.
Ao trair Alckmin dentro do PSDB e tentar furar a fila partidária o prefeito em crise de popularidade desrespeitou um dos mandamentos basilares da política: a ordem na fila. Ao fazer isso, revelou-se inconfiável a todos os profissionais do teatro da política –os detentores de cargo de comando nas maiores legendas. Eles pensam assim (e alguns pensaram em voz alta na minha frente): “se esse cara desrespeita quem o criou, contra todo o PSDB, imagina a mim”.
No último sábado, num arroubo de descompostura que devia ter sido freado pelos áulicos de sua marquetagem, Doria divulgou um vídeo destemperado no Youtube acusando o ex-governador, ex-deputado e ex-ministro Alberto Goldman de ser velho e preguiçoso. Sem usar essa palavra, quase o chamou de senil. Disse que o ex-governador vivia de pijama e era um fracassado. Goldman criticara justamente os métodos açodados e imprudentes do prefeito. Dissera que ele era “um dos piores políticos” já produzidos por São Paulo.
A resposta pouco inteligente, enunciada com o fígado e não com o cérebro, fez emergir mais uma faceta de Doria escondida sob a proteção do marketing: a incapacidade de apreender lições dos mais velhos e de aceitar o ciclo natural em que as pessoas mais experientes recolhem-se a uma rotina mais austera e privada, como Goldman, depois de terem vivido seu ciclo produtivo.
Em resumo, Doria deixou claro que não preza e não respeita aposentados. Fez isso no início do ciclo de campanha eleitoral em que um dos temas vigorosos em debate será justamente a Previdência Social e o direito à aposentadoria. Reação amadorística, que cobrará um preço muito alto às pretensões do homem fantasiado de prefeito.
Em minha opinião, João Doria Jr está condenado a seguir como prefeito de São Paulo. É certo que o PSDB não lhe cederá a legenda. É incerta essa aproximação com o DEM. O Democratas tem um candidato a presidente caso as condições para isso se ponham à mesa –Rodrigo Maia– e alguma possibilidade de oferecer ACM Neto ou Mendonça Filho como candidatos a vice-presidente da República numa aliança com o PSDB.
Para não ter de cair nas garras de velhas raposas profissionais da política –rótulo que apôs em quase todos– Doria terá de construir uma colcha de retalhos de legendas emergentes como Novo, Livres, Podemos e até coisas mais estranhas que possam vir –um “Louvemos”, por exemplo. Não há capacidade para tal debaixo daqueles cardigãs coloridos.
Ao agir de forma açodada, abandonar o cargo para o qual foi eleito há apenas um ano a fim de embarcar numa aventura para a qual não revela preparo algum, furar a fila partidária, expor seu padrinho político, destampar um pote de mágoas contra um homem mais experiente e desfazer do ciclo da aposentadoria almejada por tantos Doria revelou-se um político estúpido. Amador e estúpido. Urnas até se deixam enganar por personagens construídos milimetricamente pela marquetagem. Mas são implacáveis com quem revela tamanha estupidez tanto tempo antes de eleição.