(*) Everardo Maciel
A pandemia da covid-19 prossegue em sua macabra trajetória, sem que se
vislumbre seu fim e suas consequências na vida das pessoas e dos países.
A pandemia revelou, dramaticamente, a desatenção da humanidade com questões
que interessam à segurança planetária, a exemplo do desenvolvimento
sustentável. Na esteira do individualismo possessivo, construiu-se uma
desproporcional prevalência da eficiência sobre a equidade e da competição
sobre a colaboração.
Bill Gates, no recém-editado “Como Evitar um Desastre Climático”, expõe de
forma didática e persuasiva os enormes riscos das mudanças climáticas e seus
efeitos catastróficos sobre os seres humanos, em muito superiores à tragédia
da covid-19. Propõe, também, um plano, com base em soluções disponíveis e
inovações necessárias, para zerar a emissão de gases de efeito estufa e
prevenir o desastre climático, envolvendo grandes mudanças nos campos da
energia, transportes, indústria, agricultura, etc.
À primeira vista, parece tratar-se de uma proposta muito ambiciosa, porém
está à altura do problema que pretende enfrentar. Merece uma atenção
especial.
O Presidente Joe Biden dos EUA, em seu animador início de governo, irá
apresentar, dando continuidade ao já aprovado programa de auxílio aos
vulneráveis, projeto envolvendo reforma da infraestrutura física e
incentivos a ações no campo da educação e da sustentabilidade.
Essas iniciativas devem demandar recursos superiores a espantosa cifra de
US$ 4 trilhões, cujo financiamento inclui o aumento do imposto de renda das
pessoas jurídicas, revertendo tratamento adotado no Governo Trump, e,
provavelmente, medidas que ao menos mitiguem a perversão do planejamento
tributário abusivo, recurso utilizado por grandes empresas para não pagar
impostos mediante brechas legais.
Enquanto isso, no Brasil, lamentavelmente prosseguimos no torneio de
insanidades.
Depois de uma incompreensível demora, foi aprovado o Orçamento da União para
este exercício, com visíveis insubsistências que exigirão reparos.
A denominada PEC Emergencial, que se converteu na Emenda Constitucional nº
109, é uma colcha de retalhos mal costurada.
Na pretensão de encontrar fonte de financiamento para despesas decorrentes
do enfrentamento da pandemia, aquela Emenda estabeleceu regras voltadas para
redução dos benefícios fiscais federais, de modo que, no prazo de 8 anos,
não ultrapasse 2% do PIB.
Como a conceituação de benefícios fiscais não é pacificada, haverá,
espantosamente, uma redução do que não se sabe.
No rol dos benefícios fiscais, por exemplo, são incluídas desarrazoadamente
imunidades tributárias de observância obrigatória, porque decorrem de
imposição constitucional, como o tratamento dispensado às entidades de
assistência social e às micro e pequenas empresas, ao passo que,
estranhamente, as múltiplas isenções de aplicações no mercado financeiro não
são contabilizadas naquele universo.
É certo que as assinaladas imunidades tributárias podem ser balizadas por
parâmetros estabelecidos em lei complementar. São, portanto, restringíveis e
coexistem com imunidades irrestritas como as que alcançam as exportações.
Inacreditavelmente, a possibilidade de parametrizar as imunidades
restringíveis ficou inviabilizada com a promulgação daquela Emenda, pois sua
redução foi vedada, expressamente, no parágrafo 2º do artigo 4º. Assim,
ficaram congelados, pelo prazo de 8 anos, os critérios aplicados àquelas
imunidades e às relativas à Zona Franca de Manaus e Áreas de Livre Comércio.
A vedação também alcançou a destinação de recursos aos chamados fundos de
desenvolvimento regional, que em nada se confunde com um benefício fiscal,
aos produtos que integram a cesta básica, cujo conceito é também
desconhecido, e ao, agora constitucionalizado, programa de bolsas de estudos
para estudantes de cursos superiores de instituições educacionais privadas.
É, de fato, uma primorosa contribuição para aumentar a confusão. Que
contraste com o que está sendo discutido ou realizado nos Estados Unidos.
Muito mais que o vírus, pandemia chama atenção para uma série de questões.
(*) Ex-Secretário da Receita Federal