Por Élio Gaspari
Via Blog do Magno
Depois de ter afastado o professor Luiz Carlos Cancellier da reitoria da Universidade Federal de Santa Catarina, proibindo-o de entrar na instituição e de ter determinado sua prisão provisória (revogada por outra juíza), a doutora Janaína Cassol Machado, titular da 1ª Vara Federal de Florianópolis atendeu a um requerimento da defesa e decidiu:
“Diante do parecer do Ministério Público, deve ser deferido o pedido, ressaltando-se que a última entrevista começa às 17h30, de modo que a autorização deve se estender para às 18h. No entanto, ressalta-se que o ingresso de Luiz Carlos Cancellier de Olivo nas dependências da UFSC deve ser deferido única e exclusivamente para participar da sessão pública, na data e horário acima especificado.”
Tradução: o professor podia entrar na universidade no dia 5 de outubro, mas só das 15h às 18h . Terminado o serviço, devia ir embora.
Cancellier não usufruiu o benefício concedido pela juíza. Entrou na Federal de Santa Catarina três dias antes, no final da tarde de 2 de outubro, morto, para ser velado. Ele se suicidara, jogando-se no pátio interno de um shopping center de Florianópolis.
A morte do professor jogou nas costas dos cidadãos que o acusaram, investigaram e mandaram para a cadeia a obrigação de mostrar que fazia sentido submetê-lo ao constrangimento. Se a chamada “Operação Ouvidos Moucos” acabar em pizza, vai-se estimular a impunidade das redes de malfeitorias encravadas em dezenas de programas de bolsas de estudo do país.
Chegou-se a dizer que a operação policial na qual o professor foi preso investigava o desvio de R$ 80 milhões de um programa de educação a distância. Mentira. R$ 80 milhões foi o valor total do programa. As maracutaias não aconteceram durante a gestão de Cancellier. Havia trapaças no pedaço, envolvendo servidores e empresários, mas o reitor nunca foi acusado de ter desviado um só tostão.
Cancellier foi denunciado pelo corregedor da UFSC, doutor Rodolfo Hickel do Prado por tentar obstruir seu trabalho. Num artigo publicado depois de sua prisão, o reitor revelou que nunca foi ouvido pela auditoria interna. A Polícia Federal investigou o caso e a delegada Erika Marena, madrinha da marca Lava Jato (Flávia Alessandra no filme “A Lei é Para Todos”), pediu a prisão do reitor. Ela também não o ouviu. Depois de solto, Cancellier ficou proibido de pôr os pés na universidade.
Nos dias de hoje, proibir um reitor afastado de pisar na universidade serve apenas para humilhá-lo. Vale lembrar que a ditadura nunca proibiu os professores que cassou de entrar nas escolas. Um bilhete encontrado na jaqueta que Cancellier vestia quando se matou diz que “minha morte foi decretada quando fui banido da universidade” (Quando três ministros da Primeira Turma do Supremo Tribunal obrigam Aécio Neves a dormir em casa, produzem apenas barulho, a menos que estejam defendendo a temperança nas noites de Brasília e do Rio).
As patrulhas da polícia e do Ministério Público devem pensar pelo menos uma vez antes de pedir a prisão um cidadão. Isso porque abundam os sinais de que se pensa mais no espetáculo da publicidade do que nos direitos dos brasileiros. Era realmente necessário prender Cancellier? Soltando-o, era necessário proibi-lo de entrar na universidade?
Guimarães Rosa ensinou: “As pessoas não morrem, ficam encantadas”. O reitor Cancellier tornou-se um desencanto para o Brasil da Lava Jato.