As Caixas de Assistência dos Advogados (CAAs), entidades subordinadas às seccionais da Ordem dos Advogados do Brasil, perderam o direito à imunidade tributária que tinham. A 4ª Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, por unanimidade, negou provimento ao agravo de instrumento interposto pela Caixa de Assistência dos Advogados do Estado do Rio de Janeiro (Caarj) pedindo que os valores cobrados pelo fisco fossem pagos com a penhora de 3% de seu faturamento mensal. Na prática, significa que a Caarj terá de pagar aproximadamente R$ 180 milhões à Receita de uma tacada só. E não há caixa que aguente isso.
Relatora do caso, a desembargadora Letícia Mello entendeu que a imunidade tributária dada a instituições de assistência social sem fins lucrativos só vale para as entidades fechadas de previdência privada se não houver contribuição dos beneficiários. As CAAs, no entanto, prestam serviços e oferecem benefícios aos seus associados como contraprestação ao pagamento das anuidades da OAB — já que uma porcentagem do valor é repassado às caixas.
O Estatuto da Caarj prevê, expressamente, em seu artigo 19, que o percentual das anuidades que compõe sua receita é de 27,5% das anuidades recebidas pelo Conselho Seccional. Assim, ressaltou a relatora, “não há óbice para que a entidade se submeta às mesmas medidas constritivas e regras de expropriação a que estão sujeitas as demais pessoas jurídicas no processo de execução fiscal, dentre eles a penhora sobre as receitas auferidas”.
A dívida executada da Caarj gira em torno de R$ 180 milhões. Na defesa da entidade, o procurador tributário do Conselho Federal da OAB, Luiz Gustavo Bichara sustentou que a entidade tem caráter de assistência social, sem fins lucrativos, e que viria operando em déficit em 2013, de maneira que a penhora determinada pelo juízo estaria comprometendo suas atividades.
Além disso, a defesa sustenta que as quantias correspondentes à sua participação na arrecadação das custas judiciais, repassadas mensalmente pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, representariam, em média, 70% da sua receita. Letícia Mello, no entanto, entendeu que a entidade não apresentou provas suficientes para demonstrar que as penhoras comprometeriam sua saúde financeira — o fluxo de caixa e o Balanço Patrimonial da Entidade foram juntado aos autos.
Petição no Supremo
Diante do medo de que as CAAs quebrem, a Caarj, bem como o Conselho Federal da OAB, ingressou como amici curiae nos autos do Recurso Extraordinário 600.010/SP, cujo relator é o ministro Luís Roberto Barroso, e teve a repecussão geral reconhecida.
Nela, o tributarista Bichara argumenta que a OAB, à qual as CAAs são ligadas, não define de modo expresso a sua natureza jurídica e que, por constituir serviço público, goza de “imunidade tributária total em relação a seus bens, rendas e serviços”, além de ter competência para fixar e cobrar, de seus inscritos, contribuições, preços de serviços e multas.
A petição atesta que o entendimento consolidado é o de que a Ordem é uma autarquia especial, regida por legislação própria, em virtude de inúmeras características que são atribuídas pelo Estatuto da OAB, onde se colhe o perfil de uma entidade inequivocadamente pública, e que os conselhos de fiscalização do exercício profissional têm personalidade jurídica de direito privado.
A defesa também argumenta, quanto à natureza jurídica das CAAs, que elas não se distinguem do ente estatal, pois são, na verdade, integrantes da sua estrutura.
Bichara ainda informa que a Lei 8.906/94 pretendeu criar as CAAs como órgãos dos conselhos seccionais da OAB, “porém dotadas de autonomia suficiente para impedir a interferência política constante das diretorias de seccionais em seus negócios internos” e que, da mesma forma que acontece com a própria OAB, devido à ausência de previsão expressa, “é da análise das características atribuídas pela Lei às Caixas de Assistência que se extrai a conclusão acerca da sua natureza jurídica”.
Mudança do entendimento
A discussão sobre a penhora dos bens da Caarj, apesar de importante, fica pequena diante de uma discussão ainda maior que aborda dois pontos: o primeiro, é a discussão sobre os CAAs serem ou não parte da OAB e, como tal, terem direito à mesma imunidade tributária; o segundo, a mudança de jurisprudência do Supremo com relação à natureza jurídica das entidades, que entendia que as caixas de assistência eram parte da Ordem dos Advogados, até 2010, quando o entendimento mudou.
A questão será apreciada pelo Plenário do STF. Para o advogado da Caarj, a discussão quanto à penhora é pontual, enquanto a controvérsia principal é a mudança no entendimento: “O que importa é saber se a imunidade que protege a OAB é ou não extensiva às caixas de assistência. Nós entendemos que sim. E o Supremo entendia isso na medida que o Estatuto da OAB diz que as CAAs são órgãos estruturais da OAB e, portanto, são a própria OAB”. Por conta disso, a Ordem pede que, na pior das hipóteses, haja uma modulação temporal e que o novo entendimento só valha depois do pronunciamento definitivo do Plenário do STF sobre a questão (em sede de repercussão geral).
As CAAs de São Paulo e Minas Gerais também já têm processos relativos a isso. Com uma repercussão como essa, Bichara diz estar confiante que os argumentos serão aceitos pelo Supremo.
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