MOMENTO ZERO: CONSTITUINTE WEB

Por Domingos Leonelli, ex-deputado federal e Presidente do Instituto Pensar

Em 1983 o Deputado Dante de Oliveira atravessava as linhas estratégicas da oposição para derrotar a ditadura –  representadas pela convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte, o contra golpe militar e a participação na eleição indireta – com a proposta da eleição direta para presidente da república. À época, uma ideia tão maluca e inviável que receberia a assinatura para a tramitação até de direitistas que votaram contra a emenda.

No entanto, a bancada do PMDB liderada pelo deputado Freitas Nobre percebeu que ali tinha. E deu força, compôs comissões para um plano de mobilização… o resto da história é mais ou menos conhecida. Resultou na maior mobilização popular do Brasil no Século XX, a campanha das Diretas Já.

Nem como tragédia nem como farsa, a história se repetirá. Mas vale a pena examinar algumas semelhanças entre os quadros políticos de 1983 e 2015. Esgotamento do modelo político do regime, 18 anos de presidentes-militares, 12 anos de governo do PT. Em 83 crise na economia. Em 2015 crise na economia. Níveis de insatisfação popular semelhantes. Presidentes pessoalmente honrados cercados por casos de corrupção. Classes dominantes divididas política e economicamente. E enquanto não se chegava a um consenso sobre quem deveria suceder o Presidente João Figueiredo, ele permaneceu no cargo e o regime de 64 também.

E um dado importante para os que sonham com o “impeachment” da presidente Dilma: a honradez pessoal de um presidente quando não é colocada em dúvida, por maior que seja o desgaste político e a erosão de sua popularidade, eles resistem. Não funciona, com Dilma, um “fora Collor” por mais que os grandes meios de comunicação queiram transferir os pecados do PT para a figura presidencial.

Mas, independentemente da questão Dilma o modelo econômico e político está em vias de esgotamento. O sistema eleitoral brasileiro apodreceu. E a reforma política que está em andamento é um “sepulcro caiado”.

Como os deputados e senadores eleitos em grande parte com os recursos originados dos mesmos esquemas da “lava jato” vão votar numa reforma política? Contra eles mesmos? A corrupção no Brasil tem raízes profundas, começa pelas câmaras de vereadores, onde se perdeu completamente a dimensão do vereador como conselheiro municipal com um poder legisferante muito reduzido. Raro o prefeito que além do salário do vereador, não tem que dispender algum recurso extra para aprovar uma lei de interesse do município.

E o pacto federativo é altamente favorecedor das práticas de corrupção. A maioria dos recursos de investimentos nos estados e municípios vem do governo federal. Passam pelas instâncias dos ministérios, das secretarias de estado, das instituições técnicas… em cada um deles paga-se um pedágio.

Derruba-se a presidente. E aí?

Começa tudo novamente, pois a engrenagem política é a mesma.

Parece que a política brasileira está precisando de um momento zero. Uma reformulação geral que permita uma reconstituição das estruturas políticas, econômicas e sociais do país. Antes que apareça um novo salvador da pátria, tipo Collor.

As constituições, principalmente em países como o Brasil, envelhecem rápido. Entre a Assembléia Nacional Constituinte de 1946 e 1967 quando foi substituída pelo regime militar foram 21 anos. A constituinte de 1988 produziu uma constituição razoavelmente longeva: 27 anos.

A velocidade das mudanças sociais, econômicas e políticas são aceleradas pelo avanço da tecnologia. Parece que o avanço científico provoca uma contração do tempo histórico.

E a sociedade brasileira não se vê mais refletida na política. A impopularidade da Presidente Dilma não é só dela. É da política como um todo. As pessoas não se reconhecem no Parlamento e no Executivo. Daí o imenso prestígio do Judiciário que está em choque com esses poderes. Dois dos presidentes dos poderes da república estão com seus presidentes sob contestação, política ou judicial.

É necessário procurar uma solução radicalmente democrática que proporcione os fundamentos para reformas profundas e estruturantes. Reforma política. Reforma do pacto federativo. Reforma de algumas estruturas legais da economia. Reforma do próprio estado brasileiro e de todas as suas estruturas institucionais a partir das Câmaras de Vereadores. Isso só poderá ser feito por uma Assembleia Nacional Constituinte Exclusiva – ou seja, eleita apenas para escrever a nova constituição – num prazo máximo de 2 anos entre a convocação e a conclusão dos trabalhos. Com vedação de reeleição para seus membros. Uma nova constituição que não trataria de interesses corporativos, como foram os penduricalhos jurídicos da Constituição de 1988.

Uma Assembleia Nacional Constituinte WEB, acompanhada “pari-passu” pela Internet, com os recursos da tecnologia a serviço dos cidadãos que interfeririam no processo de sua elaboração. Gerar uma Constituição moderna, com mecanismos de conexão on-line que desse as brasileiros a convicção de que estariam refundando o País, num processo de verdadeira revolução democrática.

Uma carta enxuta, clara, objetiva que servisse de bíblia da cidadania. Para cada brasileiro ter nas mãos o poder de a ela recorrer com a força cívica da vontade da maioria.

Finalmente, talvez, nesse caso, a Presidente Dilma aceitasse reduzir o seu mandato e entrar para a história como a pacificadora da nação que saltou para frente.