Ministros do Supremo defendem PEC da Bengala

O plenário do Supremo Tribunal Federal, em Brasília

Do CONSULTOR JURÍDICO, por Rodrigo Haidar

Oito anos depois de ter sido apresentada pelo senador Pedro Simon (PMDB-RS) ao Senado, a Proposta de Emenda Constitucional que aumenta a idade da aposentadoria obrigatória de servidores públicos de 70 para 75 anos dormita nos escaninhos da Câmara dos Deputados, a despeito de representar uma economia de R$ 20 bilhões para os cofres públicos em cinco anos.

Os números da economia foram apresentados por servidores públicos ao presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), na semana passada. Reunidos com Sarney, eles reclamaram que a PEC 457/2005, apelidada de PEC da Bengala, foi aprovada pelo Senado há seis anos, mas não andou com a mesma celeridade desde que chegou à Câmara. E, ao que tudo indica, não deverá andar tão cedo.

Um dos maiores defensores da proposta, o deputado federal Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP), afirmou à revista Consultor Jurídico que o texto não tramita por conta de um lobby contrário de juízes de primeira instância, que levariam mais tempo para ter a chance chegar aos tribunais por meio de promoções. “A proposta é boa e reflete a realidade atual do país. Quando esse limite etário foi fixado, há mais de 50 anos, a longevidade era outra”, afirma Faria de Sá.

O deputado também reforça o argumento de que a aprovação da PEC traria grande economia aos cofres públicos. Somente este ano, Faria de Sá apresentou quatro requerimentos para que a proposta fosse incluída em votação pelo plenário. O último foi apresentado em 14 de junho. Nenhuma de suas solicitações foi atendida.

A ConJur procurou ouvir os deputados Marco Maia (PT-RS), presidente da Câmara dos Deputados, e Cândido Vaccarezza (PT-SP), líder do governo na Casa, sobre a possibilidade de votação do texto. Os dois estavam viajando, mas suas assessorias informaram que a matéria não tem sido colocada nas reuniões do colégio de líderes, onde se definem as prioridades e os projetos que devem ir à votação. Na gestão de Maia, de acordo com sua assessoria, nenhuma liderança de partido provocou a votação do texto.

Preço da experiência

Questionado pela ConJur, o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Cezar Peluso, se mostrou um entusiasta da proposta. “É inteligente, principalmente no que se refere ao grau de eficiência do Estado”, disse sobre o texto. Para o ministro, ao obrigar um servidor no auge de sua capacidade intelectual a se aposentar e contratar um novo funcionário ainda inexperiente, o Estado perde duas vezes: passa a pagar a aposentadoria do funcionário antigo que ainda tinha plena condição de trabalho e acumulado conhecimento e, ao mesmo tempo, o salário do jovem admitido.

“Isso traz prejuízos aos cofres públicos. Esse limite de idade era adequado para outro tempo, quando a medicina não tinha as ferramentas que tem hoje. Quantos ministros do Supremo já se aposentaram no auge de sua capacidade produtiva, completamente lúcidos e dando contribuições importantes para o tribunal?”, questionou.

Peluso contou que o Ministério da Previdência já lhe apresentou números que mostram que a economia para o erário atingiria, de fato, a casa dos bilhões de reais. O presidente do STF lembrou que o ex-governador de São Paulo, André Franco Montoro, morto em 1999, desde a década de 1980 já defendia o aumento do limite imposto aos servidores públicos em seu mandato como senador.

O ministro Marco Aurélio também defendeu a ampliação do limite de idade para a aposentadoria compulsória. “Uma coisa é o servidor não estar apto a exercer o ofício. Neste caso, podem-se pedir exames de uma junta médica ou o próprio jogar a toalha. Outra coisa é obrigá-lo a deixar de trabalhar”, afirmou à ConJur.

Marco Aurélio lembrou que escreveu, em 2002, um artigo intitulado O Brasil lugnagiano — o castigo da aposentadoria compulsória, contra a aposentadoria compulsória aos 70 anos, publicado originalmente no jornal Folha de S.Paulo. No artigo, o ministro lamenta a saída do colega Neri da Silveira do Supremo. “Recentemente, deparamos mais uma vez com um exemplo muito ilustrativo dos malefícios dessa despropositada aposentadoria compulsória: no último mês de abril, o ministro Néri da Silveira viu-se compelido a deixar a Corte Suprema do país por ter alcançado sábios 70 anos. Quem já se deleitou com a imagem magistral de um condor ganhando os céus jamais haverá de se conformar com o abate desse altivo pássaro, muito menos se em pleno voo”, escreveu.

No mesmo texto, o ministro questiona: “Já pensou se essa desumana lógica houvesse cerceado a obra de Leonardo da Vinci, Machado de Assis, Handel, Villa-Lobos, Monet, Matisse, ou, para ser bem contemporâneo, a esplêndida carreira da nossa Fernanda Montenegro?”

Renovação necessária

Os argumentos não são capazes de demover as entidades de classe da magistratura da ideia de combater a proposta. A Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e a Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) são contrárias ao aumento da idade para a aposentadoria compulsória.

O presidente da Ajufe, Gabriel Wedy, diz que a renovação é necessária para que os tribunais não se transformem em cortes muito conservadoras, sem que se permita uma atualização da jurisprudência. “O juiz mais jovem traz ideias novas, arejadas para o Judiciário”, disse. Wedy também afirma que o juiz jovem tem maior capacidade de produção do que os mais antigos, o que faz com que a Justiça seja mais célere. “Até por uma questão de condição física, a produtividade tende a ser maior entre os mais jovens”, diz.

O juiz diz duvidar dos números apresentados pelos servidores ao presidente do Senado, de que a PEC geraria uma economia de R$ 20 bilhões em cinco anos. “Ainda que forem verdadeiros, juízes mais jovens julgam os processos de forma mais rápida e, no caso da Justiça Federal, arrecadam mais para os cofres públicos”, conclui o presidente da Ajufe.

O presidente da AMB, Nelson Calandra, também ataca a proposta. “Em muitos estados brasileiros, o magistrado de primeiro grau passa a vida profissional toda, mais de 30 ou 40 anos, à espera de uma promoção para o tribunal local. Se o limite de idade para aposentadoria for estendido, grande parte dos colegas jamais chegará ao tribunal. Isso provoca nossa objeção”, afirmou.

Calandra afirmou que os juízes começam a trabalhar, em média, com 25 anos de idade e param aos 70 anos. “Ou seja, são 45 anos de trabalho dentro de uma estrutura de poder. Convenhamos, é um tempo mais do que razoável.” Para o presidente da AMB, o que se deve fazer é um acompanhamento do magistrado para que ele não pare com todas as suas atividades, talvez permitir que ele continue colaborando com o tribunal de outras formas. Mas ele reafirma que aumentar a idade para a aposentadoria cristalizaria as cúpulas dos tribunais e prejudicaria a maior parte dos juízes.

Não é a opinião do presidente do Supremo, ministro Cezar Peluso. “Não cristaliza. As promoções podem demorar um pouco mais, mas os juízes chegarão aos tribunais e também poderão, quando chegarem aos 70, contribuir mais em razão de sua experiência. Também serão beneficiados com a mudança. Todos ganham. Os juízes, o jurisdicionado e o Estado”, concluiu Peluso.