Ministros da 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça foram a São Paulo em missão diplomática na sexta-feira (9/11). Em reunião com pelo menos 32 desembargadores da Seção Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, alertaram para a quantidade de Habeas Corpus impetrados no STJ contra decisões da corte que desrespeitam jurisprudência pacífica e até súmulas do tribunal.
Estiveram presentes a vice-presidente do STJ, ministra Maria Thereza de Assis Moura, e os ministros Rogério Schietti, Nefi Cordeiro e Joel Paciornik, representantes das duas turmas penais da corte.
Schietti apresentou aos desembargadores levantamento feito pelo defensor público Rafael Munnerat segundo o qual 60% dos HCs impetrados contra decisões do TJ-SP no STJ são concedidos. Isso não significa leniência da 3ª Seção com crimes, mas a recusa do TJ paulista em se alinhar à jurisprudência superior, avaliam os ministros. O tribunal recebeu 48 mil HCs de todos os tribunais do país este ano.
Também foi apresentado outro estudo, feito pelo advogado Thiago Bottino, pesquisador da FGV Direito SP, que mostrou que 40% dos Habeas Corpus em trâmite no STJ eram oriundos de São Paulo.
De acordo com os ministros, o TJ de São Paulo tem um número de concessão de Habeas Corpus muito superior ao de tribunais do mesmo porte, como do Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. Foram 70 mil recursos criminais oriundos de São Paulo contra 21 mil do Rio Grande do Sul, o segundo colocado.
Os ministros trouxeram informações comparativas de outros estados e disseram que o número de concessão de HCs contra decisões do TJ-SP é bem maior em termos proporcionais do que em tribunais do mesmo porte como, o TJ-RJ, TJ-MG e o TJ-RS. De acordo com relatório do STJ, o TJ-SP é o tribunal que mais enviou recursos de janeiro a outubro desse ano, foram 70 mil contra 21 mil do TJ-RS, segundo colocado.
Os ministros também levaram à reunião um levantamento feito pelos ministros Schietti e Sebastião Reis Jr. com as principais súmulas desrespeitadas pelos desembargadores paulistas, conforme mostra o quadro abaixo:
Súmula 269 | É admissível a adoção do regime prisional semi-aberto aos reincidentes condenados a pena igual ou inferior a quatro anos se favoráveis as circunstâncias judiciais. |
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Súmula 440 | Fixada a pena-base no mínimo legal, é vedado o estabelecimento de regime prisional mais gravoso do que o cabível em razão da sanção imposta, com base apenas na gravidade abstrata do delito. |
Súmula 441 | A falta grave não interrompe o prazo para obtenção de livramento condicional. |
Súmula 443 | O aumento na terceira fase de aplicação da pena no crime de roubo circunstanciado exige fundamentação concreta, não sendo suficiente para a sua exasperação a mera indicação do número de majorantes. |
Súmula 444 | É vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base. |
Súmula 492 | O ato infracional análogo ao tráfico de drogas, por si só, não conduz obrigatoriamente à imposição de medida socioeducativa de internação do adolescente. |
Súmula 545 | Quando a confissão for utilizada para a formação do convencimento do julgador, o réu fará jus à atenuante prevista no art. 65, III, d, do Código Penal. |
“Independência da magistratura”
Do lado paulista, estiveram presentes o vice-presidente do TJ-SP, desembargador Arthur Marques da Silva Filho; o corregedor-geral da Justiça de SP, desembargador Pinheiro Franco; o presidente da Seção Criminal, desembargador Fernando Antonio Torres Garcia, e mais 32 desembargadores representando cada uma das 16 câmaras criminais do tribunal.
O ambiente foi classificado como “sereno e tranquilo” por um dos presentes. Segundo ele, foi mais uma reunião para demonstrar preocupação com a quantidade de HCs impetrados e, especialmente, concedidos. Com isso, pretenderam demonstrar com números a resistência em seguir a jurisprudência do STJ.
Mas houve confronto de números. O juiz Paulo Rogério Bonini, assessor da presidência da Seção Criminal, disse que os recursos especiais ao STJ contra decisões colegiadas do TJ-SP não representam tanto assim no número total de REsps julgados. Foram 6,8 mil oriundos de São Paulo em 2017 ante um total de 180 mil no mesmo ano. Uma proporção de 3,5%, lembrou o magistrado.
Estado peculiar
Os desembargadores procuraram se defender. Segundo eles, o número de HCs concedidos pelo STJ é grande porque São Paulo é um estado grande, populoso e com uma série de peculiaridades, como a existência do crime organizado e dos níveis de violência.
“Esse entendimento mais firme da Seção Criminal se deve justamente a uma resposta que o tribunal dá a um nível de segurança para o estado. Não estamos naquele nível lamentável de segurança como Rio de Janeiro e o Nordeste”, disse um desembargador.
Também foi argumentando que o STJ julga mais teses do que fatos, e que ele dá amplitude grande aos HCs nas questões que examina. “São Paulo não tem intenção de ser rebelde. São formas em alguns assuntos de enxergar a realidade. Foi uma conversa sadia entre tribunais”, definiu o mesmo desembargador.
A ministra Maria Thereza, vice-presidente do STJ, agradeceu a oportunidade de participar do encontro, que denominou de “histórico”, por ser o primeiro do tipo. “Esse diálogo nos mostra que estamos todos caminhando juntos”, disse aos desembargadores.
O corregedor-geral, Geraldo Francisco Pinheiro Franco, lembrou que apenas algumas súmulas do STJ ensejam diferenças de interpretação, notadamente aquelas que têm caráter mais subjetivo. “Eventos como esse geram a possibilidade de refletirmos em conjunto”, disse.
Recado já dado
Não é a primeira vez que ministros do STJ chamam atenção do TJ de São Paulo por causa de sua jurisprudência. Em setembro, por exemplo, o presidente do STJ, ministro João Otávio de Noronha, repreendeu o vice-presidente do TJ, Arthur Marques, pelos mesmos motivos durante um evento de que os dois participaram.
Noronha disse que as instâncias inferiores têm a obrigação de seguir as súmulas, e que “a rebeldia de São Paulo” resulta em uma enxurrada de processos nos superiores. Segundo Noronha, o TJ-SP tem uma dívida por não seguir o entendimento de concessão de HCs.
Em evento promovido pelo Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim) em setembro de 2017, o ministro Rogério Schietti declarou que um dos maiores problemas das decisões do TJ-SP é a falta de fundamentação em preventivas decretadas por juízes de primeiro grau.
Ele contou que ainda fica “de queixo caído” com decisões baseadas apenas na gravidade do crime e no hipotético risco de fuga, sem nenhum parágrafo sobre o caso concreto. “Temos pelo menos dez medidas cautelares disponíveis. Por que começar com a prisão?”
O ministro já disse em várias de suas decisões que prisão preventiva não pode ser “automática” em casos de tráfico, por exemplo. Com isso, o STJ acaba revogando prisões do TJ-SP, mesmo sabendo que talvez fosse o caso de manter o réu sob custódia ou aplicar outra cautelar.