Do CONSULTOR JURÍDICO:
Prestes a se aposentar, na próxima segunda-feira (9/5), o ministro Hamilton Carvalhido, do Superior Tribunal de Justiça, se despediu da Corte Especial nesta quarta-feira (4/5). Atualmente, ele é diretor da Revista do STJ e corregedor-geral da Justiça Eleitoral, como membro do Tribunal Superior Eleitoral.
Em homenagem a Carvalhido, o ministro Luis Felipe Salomão discursou na corte. “Hoje eu não deveria estar aqui, mas hoje eu não poderia deixar de estar aqui. É que o coração pulsa mais forte e um enorme sentimento de perda toma conta de minha alma”, disse.
Carvalhido integra o tribunal há 12 anos. Nesse tempo, passou por 30 cargos e funções administrativas e jurisdicionais. Chegou a exercer a presidência do STJ em três períodos, entre 2009 e 2010. Foi também presidente da 6ª Turma e da 3ª Seção do Tribunal, além da Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais e da Comissão de Regimento Interno. No Conselho da Justiça Federal (CJF), foi coordenador, coordenador-geral e diretor do Centro de Estudos Judiciários. Hoje, o ministro compõe a Corte Especial, o Conselho de Administração, a Comissão de Jurisprudência, a 1ª Turma e a 1ª Seção do STJ.
A carreira de Carvalhido começou em 1966. É formado é Direito pela Faculdade de Ciências Jurídicas do Rio de Janeiro. Com informações da Assessoria de Comunicação do STJ.
Leia abaixo a íntegra do discurso do ministro Luis Felipe Salomão:
“A história é um labirinto. Acreditamos saber que existe uma saída, mas não sabemos onde está. Não havendo ninguém do lado de fora que nos possa indicá-la, devemos procurá-la nós mesmos. O que o labirinto ensina não é onde está a saída, mas quais são os caminhos que não levam a lugar algum” (Norberto Bobbio, 1909-2004).
Honraram-me, sobremaneira, o eminente Presidente, Ministro Ari Pargendler, e o amigo Ministro Hamilton Carvalhido com o convite para, em nome de nosso Colendo Tribunal, expressar o sentimento de gratidão, carinho e despedida pela aposentadoria de Carvalhido.
Certamente os laços de amizade que me unem ao homenageado, e minha carreira forjada na magistratura de nosso Estado comum, o Rio de Janeiro, foram os fatores principais dessa distinção.
Hoje eu não deveria estar aqui, mas hoje eu não poderia deixar de estar aqui.
É que o coração pulsa mais forte e um enorme sentimento de perda toma conta de minha alma.
Cumpro, no entanto, o rito de passagem, buscando fugir ao lugar comum, escapar do lamento em razão da ausência sentida desde sempre.
Nessas resumidas e desalinhadas ideias, construídas a partir de inúmeros relatos que colhi de amigos próximos, procuro apresentar a esta Colenda Corte e ao auditório seleto um verdadeiro mosaico do homenageado – como forma de expressão de nosso carinho.
Como lembra Vieira, “o bem ou é presente, ou passado,
ou futuro: se é presente, causa gosto; se é passado, causa saudade; se é
futuro, causa desejo.”
Corria o ano de 1966 quando Carvalhido, três anos após concluir a Universidade Gama Filho, ingressava, por concurso, no cargo de Defensor Público, inicial da carreira do Ministério Público do Estado da Guanabara.
Passou a atuar naquele velho prédio do Tribunal de Justiça, Corte que conta com mais de duzentos e cinquenta anos de história.
No pórtico principal daquela Casa de Justiça, há três estátuas representando simbolicamente a Lei, Justiça e Equidade, de autoria de um juiz-artista, Deocleciano Martins de Oliveira Filho.
A estátua da Justiça é representada de maneira singular. É um Cristo togado, segurando com uma das mãos o cetro do poder outorgado pelo povo a quem serve, e, com a outra mão, o dedo indicador aponta para a própria consciência.
Desde a época de estudante, nos tempos bicudos em que participava do movimento estudantil, Carvalhido sempre dizia que “aquela era a sua casa”.
Naquele ano de 1966, apenas para assinalar a linha do tempo, Costa e Silva foi eleito presidente da República no Brasil, e Indira Ghandhi eleita a primeira ministra-mulher na Índia. A China mergulhava na Revolução Cultural de Mao.
O mundo fervilhava, e Carvalhido, com vinte e cinco anos de idade, seguiu carreira brilhante no Ministério Público, atuando na 16ª Vara Criminal, junto ao Juiz Campos Neto.
Foram seus estagiários o amigo comum, Ministro Marco Aurélio, do STF, e sua esposa, hoje a Desembargadora Sandra de Santis. Curiosamente, como prova de que a Terra é redonda e gira, foi o Ministro Marco Aurélio, depois, um dos principais responsáveis a alavancar a caminhada do homenageado ao Superior Tribunal de Justiça.
O desempenho de Carvalhido foi tão eficiente, detalhista, cuidadoso, perfeccionista, que lhe rendeu uma designação especial para atuar no rumoroso caso do “Fumacê”, com a condenação dos réus.
Foi promovido a Procurador de Justiça e escolhido pela classe para ser o Procurador-Geral de Justiça do Estado do Rio de Janeiro por duas vezes, nos anos de 1995/7 e 1997/9.
Marcou época, pois construiu a nova sede do Ministério Público Estadual e criou os Centros de Apoio Administrativo e Institucional, espalhando-os por todo o interior do Estado do Rio de Janeiro.
Com sua destacada atuação diante da Chefia Institucional do Ministério Público, em 1988 foi escolhido para ser o Presidente do Conselho Nacional dos Procuradores-Gerais de Justiça.
Em 1999 foi guindado ao Superior Tribunal de Justiça, pelo quinto constitucional do Ministério Público, e passou a envergar a toga com igual brilho e talento.
A magistratura brasileira recebeu um grande juiz, e Carvalhido cumpria sua grande vocação!
No Superior, logo ocupou uma cadeira na Sexta Turma, Terceira Seção.
A matéria criminal sempre foi a de sua predileção.
Produziu inúmeros precedentes, leading cases frequentemente mencionados pela doutrina e jurisprudência.
Assim é que, no julgamento da Reclamação 2.125, o Relator, Ministro Hamilton Carvalhido, assentou a tese de que, em caso de coautoria em crime doloso contra a vida, o foro por prerrogativa de função de um dos acusados não afasta o julgamento do outro pelo Tribunal do Júri.
Ainda no julgamento do HC 16.377, definiu a natureza jurídica de decisão interlocutória mista, não terminativa, como aquela que concede a suspensão condicional do processo, pondo fim à celeuma instalada sobre o ponto.
Em outro julgado, acentuou o poder investigatório do Ministério Público (RHC 16.144).
Como juiz criminal, o homenageado faz lembrar a figura festejada por Hélio Tornaghi:
“É utilíssimo para um povo ter boas leis; mas é melhor ainda ter bons juízes.
Há, na verdade, duas maneiras de conceber a função do juiz.
A primeira é a descrita com tanta finura por Kantorowicz, reproduzida mais tarde por Calamandrei, lembrando a figura do juiz funcionário público, armado com aquela máquina de pensar que o prende aos grilhões da letra estreita da lei.
O segundo é a do juiz que sente e pensa como qualquer pessoa normal, que não é peça de uma engrenagem; que vivifica a lei como o oxigênio da realidade.
Esse é o bom juiz, que tem a firmeza no agir e a suavidade no trato.
O bom juiz é, antes de mais nada, um justo”.
Em sua atuação na Primeira Turma, Primeira Seção, foi relator no MS 15.346, produzindo o leading case relativo à aplicação de prazo decadencial para revisão do ato de concessão de anistia política.
Atuou no Superior Tribunal de Justiça em quase todas as funções, foi integrante da Corte Especial, Membro do Conselho de Administração, Comissão de Jurisprudência, Regimento Interno, Diretor da Revista.
Como primeiro Corregedor-Geral da Justiça Federal, estruturou o órgão e consolidou a atuação das turmas recursais dos juizados especiais federais.
No exercício da Presidência no Superior, Carvalhido decidiu mais de dois mil feitos e, em caso de grande repercussão, evitou à União o pagamento de quarenta milhões a contribuinte que possuía vultoso passivo tributário (SLS 1.262).
O notável saber jurídico, competência e talento do Ministro Carvalhido ultrapassaram os umbrais do Tribunal onde serviu à cidadania e ao país por doze anos.
Com efeito, foi intensa sua atuação na docência, cursos, palestras, artigos, livros publicados, trabalhando também como examinador em inúmeros concursos públicos de provas e títulos.
É o atual Corregedor junto ao Tribunal Superior Eleitoral.
E para gáudio do Superior Tribunal de Justiça, foi o Coordenador da Comissão de Juristas responsável pela elaboração de anteprojeto de reforma do Código de Processo Penal, criada por ato do Presidente do Senado, cujo texto tramita no Parlamento; assim também integra a Comissão de Juristas responsável pela elaboração de anteprojeto do novo Código Eleitoral, criada por ato do Presidente do Senado.
Os incontáveis predicativos de sua personalidade fazem lembrar o que escreveu Cervantes, compondo um de seus personagens:
“Único em empenho, único em cortesia, extremo em gentilezas, fênix na amizade, magnífico sem senão, grave sem presunção, alegre sem baixeza e, finalmente, primeiro em tudo que é ser bom”.
Carvalhido vai, agora, cumprir o mito de Anteu, recobrar a energia e retomar seus hábitos simples e franciscanos.
É pai amoroso e cuidadoso de João Hamilton, Juliana, Carolina e Deborah, além de marido dedicado. Certamente ganhará sua princesa Eunice, cujo nome significa, em hebraico, e não por acaso, “que tem a vitória”. Terão mais tempo para aprofundar as conversas nos jantares diários.
Poderá se dedicar aos clássicos, como hoje com esforço já o faz, como Sócrates e Descartes, além, evidentemente, de cuidar de seus “Pumas”, participando mais ativamente do Clube “Antigoautomobilista”.
Tempo de encerrar e de dizer adeus.
Carvalhido, nessa nova fase de sua vida, ao cumprir a profecia de Heráclito sobre as mudanças na vida, ofereço a reflexão da frase certeira de Guimarães Rosa:
“O bonito no mundo é que as pessoas não estão terminadas”.
Obrigado pela atenção com que me ouviram.