Coerente com a trajetória de luta de sua família. Deverá ir longe.
Serafim Corrêa
Fonte: GQ Globo.com
Aos 24 anos, o primogênito de Eduardo Campos disputa sua primeira eleição sob expectativas de ser o deputado federal com maior número de votos de Pernambuco e uma das apostas do PSB.
No dia 13 de agosto de 2014, João Campos acordou feliz. Depois da entrevista concedida ao Jornal Nacional na noite anterior, acreditava que seu pai, Eduardo Campos, chegaria ao Planalto. Homem primogênito da prole de cinco filhos de Eduardo e Renata Campos, João foi cedo para o diretório estadual do PSB no Recife. Estava trabalhando na campanha quando recebeu uma ligação da mãe, que chegara à cidade com o caçula Miguel. Ela disse que havia acontecido um acidente com um helicóptero, para ele não se preocupar. Não era nada com o pai. O avião teria arremetido e pousaria em outra pista.
João se preocupou. Ligou para o pai e para membros da equipe que o acompanhava. Todos davam na caixa postal. Apreensivo, seguiu o conselho da mãe de ir para casa. E foi, receoso, com um amigo ao volante, em direção à casa da família, no bairro Dois Irmãos, na Zona Norte. No meio do caminho, foi checar as notícias no celular. Quando viu a imagem do avião que havia caído em Santos, no litoral paulista, João não teve dúvidas: era aquela a aeronave que seu pai utilizava para se deslocar. Não demorou para que, enfim, viesse a confirmação.
Na entrada da casa, onde ainda mora com a mãe, os quatros irmãos e os cinco cachorros, chama atenção a foto ampliada do rosto de Eduardo Campos, de cerca de dois metros de altura. Ninguém sabe de onde veio a homenagem. No meio do entra e sai de visitas de amigos, familiares e políticos durante os dias que sucederam a tragédia, alguém a deixou ali. Quase quatro anos depois, ali ela continua. Ornada com uma pequena oração à Virgem Maria e santos como Nossa Senhora Aparecida, virou uma espécie de altar. “Vira e mexe, minha mãe acende uma vela ali”, diz.
Eduardo Campos e seu sonho de ser presidente da república morreram naquele 13 de agosto, mas a sua presença e as ambições políticas se mantêm vivas, como mostra uma das tantas peças de artesanato do artista Francisco Brennand que decoram os ambientes. Encontrada sem querer numa feira, é um caminhão que simula um palanque político com a máxima “Não vamos desistir do Brasil”. Essa foi uma das frases derradeiras dada pelo neto de Miguel Arraes naquele Jornal Nacional (e virou slogan da campanha de Marina Silva). “No interior ainda é assim. Um caminhão que vira palanque.”
De interior João entende, pois tem acumulado milhas desde 2014. Duas semanas após o acidente, estava em campanha para Paulo Câmara, escolhido pessoalmente por Eduardo para sucedê-lo em Pernambuco. Também subiu em outros palanques de aliados do pai. Em um deles, prenunciou o que viria a se consolidar agora. “Queria dizer a meu pai que ele fique tranquilo, porque, enquanto eu e minha família estivermos aqui, a sua bandeira jamais ficará a meio mastro.”
No início deste ano, em post no Instagram para seus cerca de 55 mil seguidores, João deu a pista: “Te prepara, 2018, que vai ser carga”. Depois de tanto fazer campanha para os outros – incluindo seu pai, que João com frequência acompanhava em atividades políticas –, ele se prepara para se lançar candidato a deputado federal em sua primeira eleição como protagonista, aos 24 anos de vida.
Chega com a expertise de quem vive política diariamente desde sempre – quando nasceu seu pai já tinha sido deputado estadual e naquele ano, 1993, elegeu-se deputado federal pela primeira vez. Como o pai, que iniciou a vida política sendo chefe de gabinete de seu bisavô, Miguel Arraes, João também entrou pela sala mais próxima do governador. Foi convidado para ser chefe de gabinete de Paulo Câmara em fevereiro de 2016 sob críticas de não estar preparado e de ser parte de uma espécie de “apadrinhamento político”. “A única forma de responder a isso era com meu trabalho. Fui lá e fiz”, rebate.
Sua jornada de trabalho era intensa, marcada por viagens e inaugurações. Esforçou-se para ser reconhecido dentro e fora do partido, nas ruas. “A capacidade de trabalho é uma característica importante que, na minha opinião, João herdou de Eduardo. Ele tem uma maturidade política grande para alguém tão jovem. É claro que o ambiente político em que viveu ajudou muito”, afirma o governador pernambucano.
Quando começou a trabalhar com Câmara, João ainda estava terminando o curso de Engenharia Civil e conciliou as duas atividades. Adiantar o processo é algo que já está acostumado: entrou na faculdade quando estava no segundo ano do ensino médio e optou por fazer um supletivo para iniciar logo a atividade acadêmica. Quase se lançou ao Congresso já em 2014, aos 20 anos, nas eleições marcadas pela tragédia de seu pai. “Ele incentivava, viu que o cenário pedia gente nova. Mas eu não quis. Aquela era a eleição dele.”
Sua mãe, Renata, também não teria gostado. Ela esteve ao lado de Eduardo Campos durante toda sua trajetória política e era apontada como a principal conselheira do marido. Chegou a ser cogitada para o posto de vice-presidente de Marina Silva, mas preferiu se manter nos bastidores, onde ainda exerce forte influência.
Sem adiantar metas políticas, João chega à corrida eleitoral com o peso da máquina do partido que hoje está na prefeitura do Recife e no governo do Estado – ambos escolhidos por Eduardo. Estimativas apontam que ele será o mais votado do Estado, com mais de 250 mil eleitores. “Ele é herdeiro natural desse espólio. Soma-se a isso que tem apoio das principais lideranças do PSB, o prefeito Geraldo Julio e o governador Paulo Câmara. Certamente será eleito”, diz Adriano Oliveira, cientista político da Universidade Federal de Pernambuco.
O favoritismo, porém, não significa unanimidade em torno de seu nome nem mesmo na família. Irmão de Eduardo, Antônio Campos deve se lançar candidato ao Senado pelo Podemos. Conhecido como Tonca, ele rompeu com o partido após ser derrotado na briga pela prefeitura de Olinda, em 2016.
Apesar de achar justo que João seja eleito, diz que o sobrinho precisa “de maturidade na política”. Para Antônio, João poderia ter tido “uma função mais política e estratégica em vez de ser garoto-propaganda de Paulo Câmara como chefe de gabinete”.
De fala ponderada e com discurso de “servir ao povo”, João critica a elite brasileira e busca se aproximar das origens do PSB. Tem lido a biografia de Getúlio Vargas, por Lira Neto, e a autobiografia do presidente francês Emmanuel Macron. Passava das 18h30 quando termina a entrevista e a sessão de fotos. João ainda iria para mais uma atividade política do governo – afinal, está em campanha. Sua namorada, Lara Santana, com quem está desde os 17, que tenha paciência ou se espelhe em Renata Campos. O herdeiro de Eduardo Campos não quer nem saber de horas vagas. “Meu negócio é trabalhar.”
Entre a pressão de defender o legado e a missão de se consolidar como político, João Campos segue a trilha do pai e do bisavô, conectando-se com o discurso de redução de desigualdade e renovação. “Nosso desafio é ‘reencantar’ a política.”
GQ – Voce é bisneto, neto e filho de político. Como era a política para você, antes de fazer parte dela?
João Campos – Cresci vendo a política e participando dela. Meu pai já estava na política, meu bisavô, também, e eles nunca fizeram questão de esconder nada ou falar “sai daí menino, isso é conversa de gente grande”.
E quando foi que isso lhe atraiu?
Sempre participei. Tenho fotos aqui com oito anos de idade numa carreata com ele [Eduardo Campos]. Agora, quando se fala em protagonismo, foi após a morte dele, durante a campanha para governador. Depois de quinze ou vinte dias, eu e meu irmão Pedro fomos acompanhá-lo [Paulo Câmara] numa caminhada. Até então não tinha saído de casa e lembro que fomos em Abreu e Lima e muita gente nos reconheceu, pediam para tirar foto, falavam “o filho do Eduardo!”, se emocionavam. A gente nunca tinha visto aquilo, porque até então o foco era o meu pai. Em quinze dias, visitamos 44 munícipios.
Naquela eleição, seu pai ainda aparecia em terceiro lugar. Ele poderia ter chegado ao Planalto?
Acredito que seria presidente do Brasil. Tenho certeza de que todas as pessoas que estiveram com ele também sentiram essa convicção. O Brasil mostrou que não queria Dilma e nem Aécio. As pessoas votaram por exclusão. Faltava o país conhecer ele. Infelizmente, só o conheceu quando ele morreu.
Depois daquela eleição, o Brasil entrou numa crise política e social. Como seria com o seu pai no Planalto?
É muito difícil fazer essa previsão, mas acho que um grande erro de Dilma foi não ter reconhecido a dificuldade. Ficou nesse clima de intolerância e fez muito mal essa disputa que foi sangrando o país. Meu pai tinha uma habilidade política muito grande. Sabia utilizar a política para ter a governabilidade necessária e fazer as transformações importantes para o país e para o povo. Ele teria um desempenho infinitamente melhor.
Fala-se que na eleição de 2014 você já tinha a pretensão de ser candidato. É verdade?
Meu pai gostaria que eu fosse candidato. Ele incentivava, viu que eu gostava de política, que o cenário pedia gente nova, mas eu não quis.
Por quê?
Porque não era o momento. Era a eleição dele, do meu pai para presidente. Nossas energias estavam todas voltadas para isso.
Seu pai sempre esteve muito próximo do seu avô, Miguel Arraes, durante a vida política, especialmente no início. Mas você se lança sozinho. Como é estar sem um guia nesse momento?
A falta de um pai sempre vai existir na vida de um filho, independentemente da política. Você sente a falta dele todos os dias. No meu caso, na política, lógico que às vezes penso o que ele faria. Mas não cabe muito ficar se perguntando, é preciso fazer.
Nessa eleição, há três pessoas da sua família pleiteando candidatura. Seu tio Antônio para o Senado, pelo Podemos, Marília Arraes, prima do seu pai, quer tentar o governo do estado pelo PT e você, como deputado federal, pelo PSB. Como é essa disputa pelo legado?
O legado de Arraes e de Eduardo Campos pertence ao povo de Pernambuco, não pertence a uma família nem a uma pessoa. Qualquer um pode disputar uma eleição. Agora, estou onde eles sempre estiveram. O único partido que meu pai disputou eleição na vida foi pelo PSB, e o Arraes foi presidente do PSB por dez anos, participou da recriação do partido depois da ditadura. Estou no projeto onde eles sempre estiveram, onde está o conjunto de apoiadores deles.
Há quem aposte que você vem como prefeito em 2020.
Não penso nisso. Meu foco é enfrentar bem esse ano. Enfrentar, que eu digo, é dizer a verdade ao povo. Nosso desafio é “reencantar” a política, pois ela foi uma das responsáveis por colocar o Brasil nessa crise.
Em agosto o acidente completa quatro anos. Seu tio Antônio recentemente levantou a hipótese de sabotagem no avião. Te angustia a demora no laudo final?
Estamos aguardando ansiosamente. Gostaríamos que essa investigação fosse encerrada o quanto antes e só vamos falar sobre isso depois que ela for concluída. Antes disso, não acho certo. Quando a gente está em uma função que o que se fala vira notícia, tem que ter muita responsabilidade.
Quem é sua maior referência política em casa, seu pai ou sua mãe?
Os dois. Meu pai traz a inspiração da força, no combate de ser incansável em lutar pelo que acredita. Minha mãe traz a sabedoria da paciência de botar os pés sempre no chão e pensar duas, três vezes. Os estilos deles se complementam muito.
Como ser um agente transformador em Brasília?
O Congresso hoje, muitas vezes, não discute a pauta da sociedade – é como se estivesse em outro tempo. Em 2013, as pessoas foram às ruas e o Congresso ganhou velocidade. Se ele rodou naquele período, por que não sempre? O Congresso deve ter mais transparência e representar mais as pessoas.
Como deputado, quais seriam seus maiores desafios em um momento tão polarizado?
A intolerância e o preconceito são sentimentos imbuídos no coração de muita gente, o que dificulta o trabalho. A gente tem o dever de pacificar o país. E pacificar não significa concordar com tudo, mas respeitar. O mal do Brasil continua sendo a desigualdade social. Temos hoje a maior concentração de renda no mundo – 55% de toda nossa riqueza está nas mãos de 10% da população. Nossa nação foi construída pelas mãos da elite, pelos interesses da elite.
Como você avalia a atual presidência?
Meu pai dizia: “pelo arriar da sacola você conhece o vendedor”. Temer começou errado. Muita gente acreditou que ele iria fazer um governo de transição, acima da política. E ele, de início, tomou uma decisão de fortalecer aqueles que a gente sabe que não são bons representantes do povo. Quando observamos o Ministério dele, ninguém se sente representado de fato.
Seu pai era muito afinado ao ex-presidente Lula, dizem que ele o considerava quase como um pai. Existia de fato essa conexão?
Eles eram amigos. Lula já esteve aqui em casa algumas vezes. Eles se afastaram com Dilma, por conta da eleição, mas nunca deixaram de ter afinidade e carinho um pelo outro.
Recentemente, o PSB e seus líderes se manifestaram contra a prisão do ex-presidente Lula. Você está aliado ao seu partido nessa posição?
A gente está muito triste com a prisão do Lula por tudo o que ele fez no Pernambuco, no Nordeste e por tudo que ele construiu. Ele pode ter cometido alguns equívocos ao longo da vida, mas vemos isso com tristeza. Espero que a Justiça não seja seletiva: há muitos que devem ir presos também.