Em setembro de 1998, em entrevista a Revista Veja, declarei que Lula, então candidato à Presidência da República, se eleito no mês seguinte, deveria manter Pedro Malan no Ministério da Fazenda por 100 dias, pelo menos. Era preciso dar tranquilidade ao sistema financeiro, garantindo que o novo governo não ameaçaria a estabilidade conquistada. Os militantes e dirigentes do PT ficaram escandalizados com o fato de um governador do partido dizer tamanha heresia. Todos os responsáveis pela campanha diziam que o Plano Real era tecnicamente incompetente e destruiria a economia do Brasil; enquanto eu dizia que seus autores mereciam o Nobel de Economia.
Desde a campanha de 2002, e durante seus dois mandatos, o Presidente Lula tem mostrado que as amarras da economia independem da vontade do governante. Sua liderança inconteste convenceu 100% dos militantes do PT, inclusive seus assessores de 1998, de que as bases da política econômica não devem ser modificadas, por causa dos limites que a realidade impõe. Essa evolução do Partido dos Trabalhadores, de uma posição econômica para outra, é uma das maiores provas do bom senso e da liderança do Presidente Lula.
Em 2002, participei da primeira reunião do recém-eleito Presidente Lula com Henrique Meirelles, em Brasília. Quando aceitou o cargo de presidente do Banco Central, Meirelles colocou o interesse do País acima dos pessoais, renunciando ao mandato de Deputado Federal, para o qual acabava de ser eleito. Oito anos depois, outra vez, o Presidente Lula demonstra capacidade de convencimento e Meirelles mostra novamente seu espírito público, aceitando continuar na presidência do Banco Central em vez de disputar um mandato. São muitas as provas da capacidade do Presidente de convencer pessoas, grupos sociais e grandes massas. Convencer o PT e o Meirelles é uma das provas dessa sua capacidade e de seu bom senso.
Outra prova foi a ovação que recebeu, no início deste mês, mesmo dia do “Fico do Meirelles”, na sessão de encerramento da Conferência Nacional da Educação – CONAE. Gestores, representantes de movimentos sociais, acadêmicos e profissionais da educação foram praticamente unânimes nos aplausos. Até a véspera, manifestavam a frustração diante do quadro educacional que conhecem e observam todos os dias nos noticiários e nas estatísticas. Apesar dos pequenos avanços na educação brasileira, nos últimos 20 anos, o Brasil está ficando cada vez mais para trás em matéria de educação. Mesmo avançando, estamos atrasados em relação a outros países e em relação às crescentes necessidades de educação no mundo moderno. Mas apesar do descontentamento no meio educacional, todos acreditaram no Presidente e o aplaudiram muito quando ele disse que o Brasil já fez sua revolução na educação nos últimos oito anos.
No entanto, se essa é uma prova de sua capacidade de convencimento, não é prova de acerto.
É pena que o Presidente Lula, que usou sua capacidade para amadurecer os partidos de esquerda e os movimentos sociais no entendimento correto da questão econômica, não tenha usado seu enorme carisma para convencer o PT e a esquerda brasileira de que a revolução continua sendo necessária e de que deve acontecer na educação. Ou de trocar o velho slogan “o capital para os trabalhadores” por “o filho do trabalhador em escolas tão boas quanto as do filho do patrão”.
A consciência brasileira seria hoje diferente se, após oito anos de mandato, o Presidente Lula tivesse usado seu carisma e liderança para induzir a militância dos partidos de esquerda a adotar a bandeira de uma revolução pela educação.
No caso do Meirelles, simbolizando a mudança para uma posição responsável, o Presidente Lula usou sua liderança para mudar os movimentos sociais e partidários de esquerda para o bom caminho econômico; no caso da educação, a liderança foi usada para acomodá-los ante a realidade que vivemos. Ficamos responsáveis na economia e conservadores no social, em vez de responsáveis na economia e revolucionários na educação.
Cristovam Buarque é Professor da Universidade de Brasília e Senador pelo PDT/DF