De O GLOBO, de hoje:
Aos 54 anos, o auditor de carreira da Receita Federal comanda hoje uma espécie de franquia em finanças públicas, especializada em salvar prefeitos e governadores endividados da bancarrota
“Despesa é como cabelo, cresce o tempo todo, tem de estar sempre ajeitando, cortando”
“O que aconteceu com a Dilma pode acontecer com todos esses prefeitos e governadores que não estão cumprindo com seus compromissos. É um exemplo a ser seguido em todo o país para que a gente possa ter gestores mais responsáveis na questão fiscal”
Especialista em salvar contas de governos endividados, Mauro Ricardo diz a MARA BERGAMASCHI que o segredo é não prolongar o início do ajuste: “Mais rápido, menor o desgaste político.” Em meados dos anos 1990, ao sair de Brasília, onde trabalhou na Fazenda e no Planejamento, para sanear a Suframa, em Manaus, Mauro Ricardo Costa não parou mais de andar pelo Brasil: em 2002, assumiu a Copasa, em Minas; depois, em 2005, foi chamado para botar ordem nas contas de São Paulo (nas gestões de José Serra, tanto no município como no estado, e na prefeitura de Gilberto Kassab). Saiu de São Paulo no início de 2013, diretamente para Salvador. Desde 2015, é o secretário da Fazenda do Paraná.
Reeleito com 74% dos votos, o prefeito de Salvador, ACM Neto (DEM), atribui seu recorde de aprovação ao ajuste fiscal promovido por Mauro Ricardo. Por causa da passagem pela Bahia, em Curitiba a oposição a Beto Richa (PSDB) só o chama de “Maurinho Malvadeza”. Ele e seu secretário-adjunto, George Tormin — “a equipe somos nós dois, contrata um e vem o outro”, brinca —, conseguiram obter superávit no estado, mas a popularidade de Beto Richa, que despencou no ano passado sobretudo depois da violência policial contra professores, ainda patina.
“Sou contratado para fazer ajuste fiscal num curto espaço de tempo, a fim de que o gestor político não sofra tanto”, afirma. Em outras palavras: no início, a reclamação contra cortes e aumento de impostos é geral, mas os resultados logo aparecem, na forma de obras e melhoria de serviços públicos. Por ter este estilo, não se entusiasma com a proposta de teto para os gastos federais em votação no Congresso. “É uma tentativa de solução a médio e longo prazo; sem efeito imediato. Eu seria mais duro nas medidas”, diz.
Nascido em Niterói, até hoje não trabalhou no Rio de Janeiro. “Nunca pensei nisso”, diz, ao ser perguntado se não se sente tentado a dar um jeito no caos financeiro que reina em seu estado natal.
Pergunta: O senhor está sendo visto como um salvador de governadores e prefeitos que assumem com os cofres vazios. O que explica o seu sucesso?
R: Ao longo dos anos, acabei virando um “resolvedor” de problemas financeiros de estados e municípios e, antes, de empresas. A experiência me permite fazer um diagnóstico rápido e gerir medidas para a solução de problemas. Basicamente, temos de pagar dívidas, reduzir despesas e incrementar receitas a fim de promover o equilíbrio de contas e fazer sobrar recursos para investimentos. Dependendo da situação, propomos medidas mais duras ou menos duras. Agora, para dar certo, é preciso ter um respaldo político muito grande. Não adianta saber o que fazer e como fazer se não tiver amparo para aprovar o ajuste no Parlamento e para sua posterior implantação. O que eu sempre tive por onde passei: meus chefes sempre me deram esse forte apoio político. Se não tiver maioria no Legislativo, é necessário que o governante tenha capacidade de convencimento técnico e político.
Pergunta: No Paraná, nos dois últimos anos, houve reclamação sobre aumentos de impostos e insatisfação do funcionalismo. Quais mudanças e resultados obteve, apesar das pressões?
R: No caso do Paraná, a despesa cresce acima da receita, como é comum nos estados. Isso cria uma situação de inadimplência. Primeiro ocorre o atraso do pagamento de fornecedores de bens e serviços e depois de pessoal e encargos sociais. Isso está ocorrendo em todo o país. Aqui havia uma subtributa-ção, a alíquota de ICMs no varejo era muito inferior à cobrada no resto do Brasil, era de 12% contra 18%. No IPVA, a mesma coisa: no país, era 4%; aqui, 2,5%. Alinhamos o ICMS em 18% e o IPVA também, mas deixando um pouco abaixo, 3,5%. E atuamos fortemente na redução de despesas, renegociamos os contratos com fornecedores para baixo, reestimamos e contingenciamos todo o orçamento, fizemos enfim uma nova forma de gestão, aliada ao combate à inadimplência e à sonegação. Estabelecemos cotas de gastos e só liquidamos dentro da possibilidade de pagamento. O resultado foi que, em 2015, reduzimos as despesas em R$ 2 bilhões e aumentamos a receita em R$ 1 bilhão. Com este superávit, pagamos todas as dívidas de curto prazo. Entramos em 2016 sem dívidas. E ampliamos os investimentos em infraestrutura, habitação, segurança pública. Investimos R$ 1 bilhão no ano passado. Em 2016, são 3,7 bilhões e R$ 4 bilhões no ano que vem. Com recursos do Tesouro, sem contar estatais. O ajuste fiscal permitiu, portanto, colocar contas em dia, não atrasar salários e ainda investir. Agora, a preocupação é permanente. Despesa é como cabelo, cresce o tempo todo, tem de estar sempre ajeitando, cortando. Eu acompanho mensalmente a evolução das despesas e receitas de maneira detalhada e, quando observo algo, agimos imediatamente. Salários e encargos, principalmente, tem de olhar preventivamente.
Pergunta: Falando nisso, e o funcionalismo?
R: Renegociamos o reajuste de maio de 2015 para outubro, quando demos 3,45%, e depois mais 10,67% em janeiro de 2016. Foi a recomposição da inflação de 2014 e 2015. Até este ano estamos equilibrados, com superávit orçamentário, em agosto, de R$ 570 milhões. Nos preocupa o ano que vem, porque estava prometida para janeiro de 2017 a reposição total da inflação anual. Mas, por causa do comportamento da economia, da queda de arrecadação no país e no Paraná, não será possível fazer isso. Estamos propondo adiar, até que tenhamos capacidade para pagar esses R$ 2,1 bilhões a mais. Já verificamos isso e já encaminhamos proposta à Assembleia para poder fazer o adiamento. Por que isso? Porque depois chega lá na frente e não tem como pagar, como está ocorrendo em vários estados. Estamos em dia com os servidores e temos recursos para pagar sem atrasos o 13º salário. Mas ninguém quer entender as dificuldades, e já ameaçam greve.
Pergunta: O senhor confrontou também o Tribunal de Justiça e diminuiu os repasses, afirmando que o Judiciário local tinha R$ 1 bilhão em sobras aplicado no mercado financeiro. Como está o fluxo do Executivo para eles, voltou ao normal?
R: Diminuímos os repasses, claro. Aqui tem uma coisa esdrúxula, que é o excesso de vinculação das receitas, os Poderes têm uma vinculação com o orçamento. Se o orçamento do Executivo cresce, o deles cresce também — e, logicamente, as despesas. Quando sobra, o Legislativo devolve ao Executivo, mas o Judiciário e o Ministério Público pegam o que sobra e depositam num fundo. Com a emenda da DRU estendida aos estados — emenda nossa, que propus ao Confaz, e fizemos gestões ao Congresso pela aprovação —, desvinculamos 30% do que eles recebiam. Isso já começou a vigorar em janeiro e nos permitiu fazer o ajuste no orçamento deles.
Pergunta: O senhor não vai receber nenhuma medalha do Judiciário.
R: É, não mesmo… Mas a minha função é tirar de quem está ganhando muito e não precisa e dar a quem está precisando. São nove milhões de habitantes que precisam de investimentos em saúde, educação, segurança pública. Na crise, as empresas privadas podem encolher, demitir, diminuir sua atividade. No poder público, é diferente, porque, numa crise, as pessoas são obrigadas a abandonar o plano de saúde, a escola particular e precisam mais do Estado do que anteriormente. Num momento como o que estamos vivendo, em que as receitas caem, é algo extremamente delicado manter as contas equilibradas para atender essa demanda da sociedade.
Pergunta: Como o senhor avalia o teto de gastos federais que está em votação no Congresso?
R: É uma tentativa de solução a médio e longo prazo. Não há expectativa de curto prazo. É uma proposta em que os superávits serão aplicados na redução da dívida. É com isso que o governo trabalha. É algo que não vai resolver os problemas imediatos. Meu estilo é diferente. Eu seria um pouco mais duro em relação às medidas. É tudo uma questão de estratégia. Quanto mais rápido for o resultado das medidas propostas, menor o desgaste político. Se você prolongar o ajuste, você sangra por muito tempo. Eu sou contratado para fazer o ajuste fiscal num curto espaço de tempo para que o gestor político não sofra tanto.
Pergunta: O senhor é fluminense, mas nunca trabalhou no Rio, que está completamente falido. Como avalia o caos financeiro do Rio? Não se sente tentado a dar um jeito no seu estado natal?
R: (Risos) Nunca pensei nisso. Não acompanho detalhadamente a questão do Rio. Mas até onde eu sei, havia uma receita grande, proveniente de royalties, de compensação financeira, e eles abandonaram um pouco os tributos próprios, como ICMS e IPVA. Relaxaram em relação à administração desses tributos, concederam incentivos fiscais em demasia e, nos últimos tempos, com a queda do petróleo, voltaram a depender, em plena recessão, da arrecadação de ICMS e IPVA. Então, estão logicamente sofrendo. Nós aqui não relaxamos em momento algum, até porque nossas receitas próprias representam quase 90% do orçamento.
Pergunta: No Brasil, de tempos em tempos, os estados quebram e os governadores pressionam a União por soluções mágicas. O senhor acha que agora isso muda, ou a bancarrota não tem fim?
R: Esse assunto só será resolvido quando os gestores começarem a ser responsabilizados civil e criminalmente pelo descumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal. É uma lei muito boa, porém, seu cumprimento não ocorre como deveria. Há relaxamento por parte dos tribunais e do Ministério Público no acompanhamento da LRF. Raramente você vê um gestor punido pela LRF.
Pergunta: O impeachment da Dilma foi um bom exemplo, então?
R: Sim. Os governos passaram a ter uma preocupação. O que aconteceu com a Dilma pode acontecer com todos esses prefeitos e governadores que não estão cumprindo com seus compromissos. É um exemplo a ser seguido em todo o país para que a gente possa ter gestores mais responsáveis na questão fiscal.