Paulo José Cunha é jornalista, professor e escritor
Até outro dia qualquer marqueteiro garantia: uma campanha só começa depois que o horário eleitoral gratuito entra no ar. Pesquisas, surveys (aquelas sondagens rápidas, sem o rigor de uma pesquisa formal) e previsões de especialistas só viravam possibilidades concretas depois que a campanha chegava ao rádio e à tv.
A influência da internet era irrisória. Candidatos que mandavam e-mails ou usavam as antigas redes sociais – ICQ, Orkut, MSN e MySpace, por exemplo – eram vistos como extraterrestres. “Fica aí perdendo tempo e dinheiro com isso, não ganha um voto e ainda vira motivo de riso porque todo mundo sabe que eleição se ganha é na televisão e na sola de sapato”. Verdade. Verdade naquela época
Mas, como dizia Caymmi, “Se sabe que muda o tempo/ Se sabe que o tempo vira/ Aí o tempo virou”. A internet, hoje, é a solista da orquestra eleitoral. Rádio e TV fazem apenas backing vocal. Profissionais que atuam na internet faturam tanto ou mais do que os marqueteiros d’antanho. Pois têm o poder de aproximar o eleitor do candidato e vice-versa. Hoje, quem souber usar corretamente os mecanismos das redes sociais – Facebook, Whatsup, Twitter, Instagram – sai muuuuito na frente. E alcança instantaneamente Maurino, Dadá e Zé Caô, os pescadores citados por Caymmi na canção famosa. E mais alguns milhões de prováveis eleitores. Tudo ao alcance de um clique.
Como barrar um vídeo malicioso?
Impressionante, não é, brother? Também acho. E me assusto com esse novo mundo.
Mas, como toda tecnologia, a internet tanto pode ser usada para o bem como para o mal. Como uma faca que tanto corta o filé pra fazer o almoço como corta o pescoço de alguém pra fazer um cadáver. O que tira o sono dos marqueteiros de hoje é: como evitar que uma mentira difundida e multiplicada exponencialmente através das redes sociais esgarce uma candidatura a ponto de inviabilizá-la?
Repare bem: a campanha já começou faz tempo. É só ver a profusão de mensagens que os “candidatos” (se quiser pode tirar as aspas) distribuem diariamente pelas redes. O que a justiça eleitoral pode fazer? Xongas. Apenas olhar e proibir a campanha antecipada pela tv e pelo rádio. Como se rádio e tv ainda valessem meia pataca…
Algumas mensagens pelas redes sociais são francamente maliciosas. Anos atrás, quando ainda pavimentava o caminho pra se tornar candidato, o gabinete de Bolsonaro distribuiu um vídeo todo editado em que acusava a professora Tatiana Lionço de defender a pedofilia. Tomou um processo dela. Mas o vídeo continua circulando por aí, não há como brecar nada na internet, apesar de o Youtube tê-lo apagado de seus arquivos. Esta semana, recebi cinco vezes um mesmo vídeo que “provava” que Lula é um mentiroso. Ora, sou da área. Trabalho com imagens desde que me desentendo por gente. Fui dono de produtora de vídeo. Sou professor de telejornalismo há mais de 20 anos. Leio muito a respeito. Por isso sei um pouco como esse troço funciona. No vídeo em questão Lula aparece dando uma entrevista em que o repórter pergunta a razão dos panelaços contra Dilma. Ele inicia a resposta dizendo “Porque a Dilma era..”. Justamente aí tem um corte. E a fala dele prossegue dizendo: “…cretina safada, maldosa, mentirosa”. Óbvio que pegaram outra resposta e grudaram na pergunta. Uma forma primária de manipulação.
Quem disse que imagem não mente?
Mas, para os desinformados, o vídeo é verídico. O povão acredita em São Tomé: “imagem não mente”. Pois mente. E mente muito. Que o Lula não é nenhum santo todo mundo sabe, principalmente Moro e a turma da Lava Jato, que andam no pé dele. Mas, daí a se utilizar de um artifício criminoso para fazê-lo “mentir” vai uma distância enorme. Até aqui, ao que se sabe, a única crítica que Lula fez a Dilma foi a de ela não ter cumprido as promessas da campanha. Mais nada. Imagina se o Lula ia desancar a Dilma diante de um microfone aberto? Mas nem. Agora, como desmentir uma mensagem como essa, que circula sem freio e na velocidade da luz? Vai rodar enquanto houver internet, brother.
E aí reside a grande interrogação da campanha que vem aí. Pela primeira vez candidatos e marqueteiros terão de combater um inimigo insidioso e invisível, para o qual não valem desmentidos nem multas ou supressão de tempo na propaganda, como acontece no rádio e na tv.
O jeito é a gente se mudar pra Nova Zelândia, brother. Tem umas montanhas lá onde a internet não chega. Quer dizer: não chegava. Porque agora os caras inventaram uns balões que ficam parados lá em cima disponibilizando sinal de internet. Há alguns deles até nos céus do Piauí. Funcionam que é uma beleza. Isso significa que aquele vídeo mentiroso do Bolsonaro, o vídeo das “mentiras” do Lula e até este artigo mentiroso aqui vão continuar circulando pela internet até Deus dizer chega. E salve-se quem puder. Inclusive Deus.