Manaus na UTI urbanística

Por Osíris Silva:

Em algum ponto de sua obra capital, “Tristes Trópicos” (publicado em 1955), o etnógrafo francês Claude Lévi-Strauss observa que as cidades latino-americanas tendem a alcançar o declínio sem haverem conhecido o apogeu. Manaus talvez seja uma exceção. Havendo atingido o ápice urbanístico no período áureo da borracha (final do século XIX, meados do XX), a partir de 1967, quando da instalação da Zona Franca de Manaus (ZFM), contraditoriamente entrou em decadência, vítima de brutal inchaço migratório. O fenômeno deveria estar sendo discutido pela Academia, SUFRAMA, governo do Estado e Poder Legislativo sem tergiversações, profunda, objetiva e pragmaticamente. Mas não está. Enquanto isso, avulta o quadro de deterioração urbanística que assola a capital amazonense, notadamente no centro histórico. Com raras e pontuais exceções, podem ser encontrados prédios/palácios/bungalows/mansões em bom estado de conservação. No geral, todavia, obras do início do século passado rendem-se indefesas ao mau gosto e ao baixo padrão arquitetônico.

Levando dois amigos norte-americanos em visita à Manaus semana passada para um tour urbano, fiquei chocado, envergonhado de mostrar uma cidade tão deteriorada, feia, suja, malcheirosa. Grande parte do centro histórico desfigurado, ruas sendo novamente ocupadas por camelôs, muitas favelas misturadas ao decadente casario em estilo português. A estação de ônibus da Constantino Nery é aviltante, padrão Zimbabwe, Burkina Faso, Síria, Turcomenistão, Djibuti, países situados no topo da cadeia dos mais miseráveis do mundo. A situação do Manaos Harbour, nosso outrora belíssimo Porto Flutuante é degradante sob qualquer ângulo que se divise. Além de quente, envelhecido, esgotos a céu aberto fedem. Diferente do passado, quando constituía o principal cartão de visita da cidade junto com o Hotel Amazonas, que hoje amarga idêntica sina.

O cidadão convive com tal cenário diariamente sem praticamente se dar conta do tamanho do problema. Quando, entretanto, leva visitantes a conhecer a cidade, o choque de realidade é brutal, desponta com toda força de uma realidade lancinante, intensamente cruel. Nossa capital, dominada por extensa rede de favelas, está na UTI. Não há como escamotear os fatos. Culpa do prefeito Arthur Neto? Só dele? Penso diferente. O problema é antigo e persiste desafiador e desmoralizante por mais de 40 anos. Todos os que passaram pela chefia do Executivo municipal nesse período são igualmente responsáveis por esse deprimente processo de derrocada.

Soluções, certamente, devem estar previstas no Plano Diretor da Cidade, tudo leva a crer, inútil. A propósito, o que é feito da Câmara de Vereadores? Alheia ao caos urbano, não traz a questão à discussão perante a comunidade. A omissão é ainda mais grave quando se observa a ignorância quase generalizada dos edis em relação aos problemas da ZFM. O mais importante modelo de desenvolvimento implantado em Manaus aparentemente não desperta interesse da Casa. São raríssimas as manifestações acerca da crise que, abatendo-se sobre a economia do Estado, achata implacavelmente as finanças da Prefeitura.

Qual é precisamente o papel do Legislativo municipal além de conceder honrarias invariavelmente desprovidas de fundamento e negociar com o Prefeito cargos, benesses pessoais e partidárias? Segundo a ONG Transparência Brasil, cada um dos 41 vereadores de Manaus custou mais de R$ 1,0 milhão aos cofres municipais em 2015. Nossa representação ocupa o terceiro lugar no ranking dos vereadores mais caros das capitais do País. Absurdamente, só perde para S. Paulo e Rio. Por mês, cada um deles embolsa em torno de R$ 89 mil, sendo R$ 15 mil de salário médio, R$ 14 mil de verba indenizatória e R$ 60 mil de verba de gabinete. Rendimentos esses integralmente garantidos, faça chuva ou faça sol. Cabe à reforma política encontrar uma solução para pôr um fim a esse mar de desperdício de recursos públicos sem contrapartida social significativa.

Manaus, 16 de novembro de 2016.