Está na pauta esta semana na Câmara a votação da PEC n. 471/05, a PEC dos cartórios. Seu objetivo é simples: tornar os atuais responsáveis substitutos, provisórios, dos cartórios, em definitivos. Sem ter de fazer concurso. Será este um bom uso de nossa Constituição pelos congressistas?
Ser modificada para beneficiar circunstancialmente um determinado grupo de interesses corporativos? Ferindo um dos pilares do estado democrático de direito: o de só permitir o acesso ao poder por eleição dos cidadãos ou por mérito comprovado em concurso público? São o voto e o mérito que legitimam nosso estado.
O Supremo já disse que não. Em diversos e repetidos casos como no de Goiás, Mato Grosso, Minas Gerais e tantos outros reafirmou: sem concurso não se nomeia ninguém titular. Em um só caso o Ministro Eros ficou em dúvida e concedeu uma liminar. Ficou por aí.
Depois disto, o pleno do Supremo no caso de Goiás já decidiu que sem concurso, não. Sem concurso não se nomeia ninguém titular de cartório. Está certo.
Fechada a porta do Supremo, a PEC tenta abrir a porta do Congresso. Vem revestida de um não pertinente argumento. Em caso recente de São Paulo envolvendo cartórios, o Supremo decidiu que alguns titulares concursados poderiam ficar a frente de cartórios criados ilegalmente sob o argumento de evitar dano irreparável aos usuários destes cartórios.
A segurança jurídica administrativa aconselhava a manutenção do status quo. Somente que neste caso, todos os titulares tinham feito concurso. Ou seja, o princípio constitucional de que sem concurso não tem nomeação, ficou preservado. Praticado. Imune como uma pedra.
A levar a sério o argumento da PEC, o que os congressistas estariam dizendo a seus eleitores é que é melhor transformar o provisório em definitivo porque fazer concurso seria um dano irreparável aos usuários.
No fundo, o argumento serve apenas para encobrir uma nova tentativa política, de fim de ano, de constitucionalizar o inconstitucionalizável. Esta PEC tramita há anos. Já foram 28 pedidos de inclusão na Ordem do Dia para votação. Em todos os casos, retirada posteriormente. Ou seja, o próprio Congresso se sente desconfortável com tamanha pretensão.
A partir daí, duas considerações podem ser feitas.
Primeiro. Estes titulares provisórios estão aí por indicação, na maioria das vezes, subjetiva das corregedorias dos tribunais. Estas mesmas corregedorias que ainda não fizeram os concursos exigidos pela Constituição.
Grande parte da responsabilidade é pois da aliança entre os Corregedores e seus indicados. Muitas destas Corregedorias pretendem dificultar a ação do CNJ e da Min. Eliana Calmon. Justamente as que segundo o Min. Peluso devem ser o alvo prioritário da ação disciplinar do CNJ.
A segunda consideração é uma pergunta: disciplinar cartórios é matéria adequada a ser tratada numa Constituição? Não conheço Constituição no mundo, e quem souber por favor me avise, que trate deste assunto.
Quando uma matéria entra na Constituição é com um objetivo: tornar mais difícil mudá-la. Aprovar uma PEC é mais difícil do que mudar uma lei. Assim garante-se a quase imutabilidade de quem se beneficia da constitucionalização.
Esta é uma das características do estado patrimonialista brasileiro: a constitucionalização de interesses que deveriam ser disciplinados por leis infraconstitucionais.
Mas, convenhamos, constitucionalizar as decisões provisórias de alguns corregedores em favor de um grupo de titulares provisórios de cartório é se apropriar demais da Constituição. É desiludir demais seus eleitores.