Fonte: Jota.info
O ministro da Fazenda, Eduardo Guardia, atribuiu a 65 das 107 súmulas do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) efeito vinculante em relação a toda a administração tributária federal. A pasta publicou a medida em uma portaria no Diário Oficial desta sexta-feira (8/6), que entra em vigor imediatamente. Os enunciados tratam sobre temas e tributos diversos, como Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ), Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e contribuição previdenciária.
Em princípio, as 107 súmulas aprovadas pelo Carf vinculam os conselheiros do tribunal administrativo. Com a determinação da Fazenda, os 65 enunciados elencados pela portaria também passam a valer para a Receita Federal, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) e para as Delegacias de Julgamento (DRJ). As delegacias compõem a primeira instância dos processos administrativos fiscais.
Antes da portaria publicada nesta sexta-feira, outros 13 enunciados já tinham efeitos vinculantes à administração federal desde julho de 2010. Ao todo, a partir de agora, 78 súmulas do Carf valem também para a Receita, a PGFN e as DRJ.
Advogados e conselheiros do Carf avaliam como positiva a vinculação das súmulas à adminsitração tributária federal
Em nota publicada no site do Carf, a instituição afirmou que a maior vinculação das súmulas contribui para prevenir e solucionar litígios, além de aumentar a segurança jurídica e otimizar a capacidade de julgamento. Em maio, a presidente do tribunal administrativo, conselheira Adriana Gomes Rêgo, também havia apoiado a maior vinculação das súmulas à administração federal. “Se o Carf já é vinculado às súmulas, de que adianta a Receita lançar e a DRJ julgar?”, exemplificou a presidente em entrevista ao JOTA.
Novas súmulas
O Carf deve discutir novas propostas de súmula em 3 de setembro de 2018, quando está agendada a próxima sessão do pleno do tribunal administrativo. O grupo reúne a presidente do conselho, conselheira Adriana Gomes Rêgo, a vice-presidente, conselheira Cristiane Silva Costa, e os outros 24 membros das turmas da Câmara Superior. Cada turma também pode aprovar enunciados específicos sobre as matérias discutidas exclusivamente naquele colegiado.
Caso o tribunal administrativo aprove novos enunciados, em princípio os textos vincularão apenas os julgamentos do próprio órgão. Para que seus efeitos sejam estendidos à administração tributária federal, é preciso que o ministro da Fazenda publique outra portaria com uma determinação neste sentido.
Redução de litígios
O conselheiro representante dos contribuintes André Henrique Lemos, da 1ª Turma da 4ª Câmara da 3ª Seção, considerou que a portaria publicada nesta sexta-feira representa um avanço. “Isto tenderá a não formar autuações e discussões, dando estabilidade e segurança na relação entre o Fisco e o contribuinte, pilar da ética tributária”, avaliou.
Sócio do escritório Mattos Filho, o advogado João Marcos Colussi argumentou que a maior vinculação das súmulas tem como objetivo evitar o excesso de discussão administrativa em relação a matérias em que o tribunal já pacificou o entendimento. “Se for contrário ao contribuinte, ele vai direto para o Judiciário. A faculdade de ir para a discussão administrativa permanece, mas já se sabe mais ou menos o desfecho em determinadas questões”, afirmou.
“Isso não é bom para o contribuinte ou para a Fazenda – é bom para ambos”
Sócio do escritório Arrieiro & Dilly Advogados, o advogado Eduardo Arrieiro entende que a portaria aumenta a segurança para os contribuintes. Arrieiro exemplificou com a súmula nº 82 do Carf, incluída na portaria. O enunciado afirma que, após o encerramento do ano-calendário, é incabível lançamento de ofício de IRPJ ou CSLL para exigir estimativas não recolhidas. “Várias matérias ficarão pacificadas e evitarão que novos litígios aconteçam, e isso permite que contribuinte e fisco tenham um tratamento mais evidente, permitindo uma transparência e segurança maior para as partes”. Arrieiro lembrou também que os contribuintes que discordarem do teor da súmulas podem levar a discussão ao Judiciário.
Professor de Direito Tributário da Faculdade Armando Álvares Penteado, o ex-conselheiro do Carf German San Martín também avalia a maior vinculação das súmulas de forma positiva. “Isso não é bom para o contribuinte ou para a Fazenda – é bom para ambos”, lembrou o professor. “Sempre achei irracional que algumas súmulas estivessem presentes em portarias e outras não. Como ela não era vinculante para a administração pública, não era para a DRJ”, acrescentou. Com isso, temas pacíficos no tribunal administrativo em Brasília ainda eram autuados na primeira instância em todo o território nacional.
O professor lembrou do exemplo do estado de São Paulo, onde os enunciados do contencioso tributário são automaticamente seguidos pela administração pública. Com base na interpretação do Código Tributário Nacional (CTN), segundo San Martin, “essa força vinculante da súmula está prevista na qualidade de legislação tributária. Isso se torna praticamente um ato normativo da Receita e que, em tese, é como se fosse lei por parte da administração”.
A sócia do Andrade Advogados, Camila Akemi Pontes, analisa uma peculiaridade da decisão. “As súmulas que faltam ao efeito vinculante são aquelas mais favoráveis ao contribuinte – o que dá à PGFN e a Receita a chance de discussão sobre o tema”, lembrou a tributarista. Segundo Camila, “a Fazenda está dispensada de recorrer nas súmulas que são favoráveis ao contribuinte – porém elas são a minoria das súmulas vinculadas”.
Já para o sócio e head de tributário do Duffles e Polycarpo Advogados, Paulo Cesar Velloso Quaglia, a medida não chega a ser uma surpresa. “De fato, o que estamos verificando nos últimos anos, por parte do Ministério da Fazenda e do próprio Carf, é que cada vez mais o Estado procura ter sob seu controle os Processos Administrativos Fiscais”, afirmou o tributarista.
Porém, Quaglia acredita que a medida pode levar os contribuintes a procurar mais o Judiciário. “[A portaria] é motivo de preocupação pelos contribuintes, que talvez não se sintam tão seguros no âmbito administrativo e fiscal, como se sentiram anteriormente. Cada vez mais os contribuintes podem buscar a esfera judicial para dirimir as pendências judiciais”, ponderou.