Luz sobre o IPTU manauara e o “achismo jurídico” na liminar do juízo plantonista.

Por Franco Junior:

O Juízo plantonista da comarca de Manaus concedeu liminar para suspender a cobrança do IPTU na cidade Manaus.

Pois bem, a análise dos fundamentos da decisão liminar permite a diagnose jurídica:

1º – a decisão sustenta que: “A Lei Federal no 7.347/85 (Ação Civil Pública) em seu artigo 4o previu a possibilidade de ajuizamento de ação cautelar para evitar dano ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem urbanística ou aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico. ”

> Diagnose: alguém precisa avisar ao julgador (ou seu assessor) que a citada Lei 7.347/85, em seu art. 1º, parágrafo único, prescreve que não será cabível ação civil pública para veicular pretensões que envolvam tributos. Ou seja, a lei usada na decisão é a mesma que a proíbe em matéria tributária (Sic).

2º – A decisão sustenta que: “Da análise detida dos autos, verifica-se que a discussão cinge-se da majoração do valor do Imposto Predial e Territorial Urbano – IPTU, do exercício de 2016, sem apresentação de critérios capazes de justificar a cobrança, da forma que está sendo realizada, aos Contribuintes, em comparação ao exercício anterior.”

> Diagnose: alguém precisa lembrar ao julgador que o tributo IPTU sujeita-se a lançamento tributário de ofício, logo os critérios que “justificam” a cobrança constam da notificação desse lançamento. Bastava o julgador (ou seu assessor) analisar o “carnê” do IPTU para constatar os elementos da regra-matriz (ou justificativas como queria o julgador), quais sejam: sujeito passivo (proprietário, possuidor ou titular do domínio útil), fato gerador (propriedade, posse ou domínio útil), base de cálculo (valor venal em UFM) e alíquota (em %).

3º – A decisão sustenta que: “Destarte o exame dos autos, está presente o fumus boni iuris, pois conforme os documentos acostados, verifico ausência de critérios definidores da cobrança do imposto, pois se constataram aumentos e diminuições na cobrança do IPTU, com violação aos princípios tributários e normas do Código de Defesa do Consumidor.”

> diagnose: alguém precisa explicar ao julgador que a relação jurídico-tributaria tem como objeto o “tributo”, que é, segundo o art. 3º do CTN, prestação pecuniária compulsória imposta por lei. Logo, é incompatível com o citado código de defesa do consumidor, porque, obviamente, não trata de relação consumerista.

> diagnose: o STJ afasta o CDC da relação jurídico-tributária, porque não constitui relação de consumo, segundo os precedentes REsp 994.651, REsp 897.088, AgAr no Ag 1026229, REsp 665.320.

4º – A decisão sustenta: “Como observado nos documentos referentes ao Imposto Predial e Territorial Urbano – IPTU, aos valores do metro quadrado dos imóveis juntados ao processo, constatam o valor venal dos imóveis e valor do IPTU cobrado, em que alguns casos houve acréscimo de mais de 300% (trezentos por cento) em relação ao valor do IPTU do exercício de 2015, evidenciando, assim, ao menos em princípio, o mascarado aumento de base de cálculo do citado tributo e não mera atualização monetária de modo que somente poderia ser realizado por lei específica, não por decreto, como demonstrado por meio de Diário Oficial do Município de Manaus, às fls. 123/124, violando o princípio da reserva legal.”

> diagnose: base de cálculo do IPTU é o valor venal do imóvel, segundo define genericamente o art. 33, do CTN. A especificação dessa regra decorre da lei municipal, o que, no caso do Município de Manaus, foi determinado pela Lei n. 1.628, de 30.12.2011.

> diagnose: A lei municipal (n. 1.628/2011), no art. 6º, prescreve que o valor venal do imóvel decorre da planta genérica de valores, cujos parâmetros estão nos anexos I e II da própria lei.

> diagnose: O decreto, citado na decisão, não criou ou definiu a base de cálculo, que já está prescrita na citada lei, inclusive com parâmetros da planta genérica constante da própria lei, apenas especificou/regulamentou o que já está prescrito em lei.

Diagnose do cálculo do IPTU pela regra matriz:

> Fato gerador: propriedade, posse ou domínio útil;

> base de cálculo: valor venal do imóvel;

> alíquota: % definido na lei (em Manaus pode ser de 0,9, 3,0, 2,0, 1,5).

> Equação simples:

> IPTU = Valor do imóvel x alíquota <

Assim, o problema é de lançamento tributário, no caso a revisão com base no art. 145 do CTN, e verificação caso a caso se a identificação da base de cálculo está correta.

Diagnose final: a decisão liminar tem muitas matérias sustentadas pelo julgador, menos a matéria de direito tributário.

P.S. Direito não é o que o juiz come no café da manhã.

Franco Júnior
Advogado
Professor
Especialista em Processo – UFAM
Specializzazione – Università di Pisa/IT
Mestrando em Direito Constitucional e Processo Tributário – PUC/SP